A ÚLTIMA LIÇÃO DE UNAMUNO
HÁ 70 ANOS, em 12 de Outubro de 1936, um grito irracional e obsceno – «Muera la inteligencia! Viva la muerte!» – ecoou no salão nobre da Universidade de Salamanca, onde se comemorava o aniversário do descobrimento da América e o «Dia da Raça». O grito foi expelido por um general fascista e fanático, Millán Astray, mutilado de guerra, com um olho e um braço a menos, fundador da Legião Estrangeira espanhola e director do departamento de imprensa e propaganda criado por Franco, que já chefiava as forças nacionalistas instalado no primeiro andar do palácio episcopal de Salamanca.
No estrado do salão nobre, além do reitor, Miguel de Unamuno, tomaram lugar a mulher de Franco, Carmen Polo, o próprio Millán Astray e o bispo de Salamanca, Pla y Daniel, que publicara em Setembro uma carta pastoral proclamando que o levantamento nacionalista, embora assumisse «a forma externa de uma guerra civil», era «na realidade uma Cruzada». Na audiência, notáveis do Movimiento e membros da Falanje pontuavam a sessão com saudações fascistas ao retrato de Franco e o grito dos legionários, «Viva la muerte!», a que o sinistro e patético Millán Astray respondia com todo o vigor.
Unamuno tomou a palavra e disse: «Conheceis-me bem e sabeis que sou incapaz de permanecer em silêncio. Por vezes, ficar calado equivale a mentir. Porque o silêncio pode ser interpretado como aquiescência». Criticou sem rodeios «o necrófilo e insensato grito» que acabara de ouvir. Lembrando que era perito em paradoxos, afirmou que «este ridículo paradoxo» lhe parecia «repelente». Salientando que o general Millán Astray era um inválido de guerra, como «também o foi Cervantes», não hesitou em destrinçá-los a dedo: «De um mutilado que careça da grandeza espiritual de Cervantes, é de esperar que encontre um terrível alívio vendo como se multiplicam à sua volta os mutilados».
Foi então que Millán Astray expeliu o seu grito irracional e obsceno. Falangistas e militares sacaram das pistolas e uma delas foi apontada à cabeça de Unamuno. O que não impediu o reitor da Universidade de Salamanca de concluir o seu corajoso discurso:
«Este é o templo da inteligência. E eu sou o seu sumo sacerdote. Estais a profanar o seu recinto sagrado. Vencereis, porque vos sobra a força bruta. Mas não convencereis. Para convencer há que persuadir. E para persuadir seria necessário algo que vos falta: razão e direito na luta. Parece-me inútil pedir-vos que penseis na Espanha…Tenho dito».
Franco lamentou não terem morto Unamuno logo ali. Expulso da universidade e submetido a prisão domiciliária, morreu no final de 1936. O filósofo de Del sentimiento trágico de la vida era profundamente católico. Admirava Camilo, Eça, Antero, Pascoaes e tantos outros que evoca na obra Por terras de Portugal e da Espanha. Ortega y Gasset escreveu, em elogio fúnebre:
«A voz de Unamuno ecoava sem parar por toda a Espanha há um quarto de século. Ao cessar para sempre, temo que o nosso país sofra uma era de atroz silêncio».
Assim foi. Sobreviveu a obra. E uma admirável lição de coragem.
No estrado do salão nobre, além do reitor, Miguel de Unamuno, tomaram lugar a mulher de Franco, Carmen Polo, o próprio Millán Astray e o bispo de Salamanca, Pla y Daniel, que publicara em Setembro uma carta pastoral proclamando que o levantamento nacionalista, embora assumisse «a forma externa de uma guerra civil», era «na realidade uma Cruzada». Na audiência, notáveis do Movimiento e membros da Falanje pontuavam a sessão com saudações fascistas ao retrato de Franco e o grito dos legionários, «Viva la muerte!», a que o sinistro e patético Millán Astray respondia com todo o vigor.
Unamuno tomou a palavra e disse: «Conheceis-me bem e sabeis que sou incapaz de permanecer em silêncio. Por vezes, ficar calado equivale a mentir. Porque o silêncio pode ser interpretado como aquiescência». Criticou sem rodeios «o necrófilo e insensato grito» que acabara de ouvir. Lembrando que era perito em paradoxos, afirmou que «este ridículo paradoxo» lhe parecia «repelente». Salientando que o general Millán Astray era um inválido de guerra, como «também o foi Cervantes», não hesitou em destrinçá-los a dedo: «De um mutilado que careça da grandeza espiritual de Cervantes, é de esperar que encontre um terrível alívio vendo como se multiplicam à sua volta os mutilados».
Foi então que Millán Astray expeliu o seu grito irracional e obsceno. Falangistas e militares sacaram das pistolas e uma delas foi apontada à cabeça de Unamuno. O que não impediu o reitor da Universidade de Salamanca de concluir o seu corajoso discurso:
«Este é o templo da inteligência. E eu sou o seu sumo sacerdote. Estais a profanar o seu recinto sagrado. Vencereis, porque vos sobra a força bruta. Mas não convencereis. Para convencer há que persuadir. E para persuadir seria necessário algo que vos falta: razão e direito na luta. Parece-me inútil pedir-vos que penseis na Espanha…Tenho dito».
Franco lamentou não terem morto Unamuno logo ali. Expulso da universidade e submetido a prisão domiciliária, morreu no final de 1936. O filósofo de Del sentimiento trágico de la vida era profundamente católico. Admirava Camilo, Eça, Antero, Pascoaes e tantos outros que evoca na obra Por terras de Portugal e da Espanha. Ortega y Gasset escreveu, em elogio fúnebre:
«A voz de Unamuno ecoava sem parar por toda a Espanha há um quarto de século. Ao cessar para sempre, temo que o nosso país sofra uma era de atroz silêncio».
Assim foi. Sobreviveu a obra. E uma admirável lição de coragem.
«DN» - 6 Out 06
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