terça-feira, 23 de novembro de 2010

Petição «Para Uma Nova Economia»

ACABEI de ler e assinar a petição «Para Uma Nova Economia - Uma Tomada de Posição Pública», que pode ser vista e subscrita [AQUI].

segunda-feira, 1 de novembro de 2010

CAVACO SILVA, A REALIDADE E O MITO

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1.

DEVO esclarecer, antes de mais, que nunca subestimei Cavaco Silva, cujo pendor autoritário, mesclado de demagogia e populismo, e alicerçado num apurado sentido da oportunidade, fizeram dele, não só um adversário temível, mas também um dos políticos mais previsíveis que conheci em toda a minha vida activa, que já vai em quase meio século. Há, aliás, duas frases que retive na memória, da autoria de Cavaco Silva, que caracterizam bastante bem o político completamente previsível que ele é.

Uma delas foi proferida em 2005, tornou-se famosa e diz o seguinte: «Pessoas inteligentes, com a mesma informação, chegam às mesmas conclusões». Quem tenha alguns conhecimentos de história, seja do país ou do mundo, seja das ideias ou dos factos políticos, sabe perfeitamente que tal afirmação não é verdadeira. Porque, regra geral, pessoas inteligentes, com princípios, ideias e opções políticas distintas, chegam a conclusões diferentes mesmo quando possuem a mesma informação. É isso, aliás, que está na base dos sistemas democráticos, pluralistas e pluripartidários.

Mas a frase proferida por Cavaco Silva há cinco anos é característica do discurso político dominante nos diversos partidos que alternam no poder em quase todas as democracias ocidentais. É uma frase que traduz aquilo que alguns já designam como «o fim da política».

Para políticos que dizem situar-se rigorosamente ao centro, como é o caso de Cavaco Silva, a política na sua dimensão conflitual é considerada como algo pertencente ao passado. O tipo de democracia que recomendam é uma democracia consensual, totalmente despolitizada, não partidarizada, sem confronto entre adversários, submetida aos princípios tecnocráticos e burocráticos implícitos naquilo que os banqueiros, gestores e empresários «modernos» designam por «boa governança», seja lá isso o que for.

Esta concepção aparentemente moderna teve a sua tradução histórica em Portugal com a instauração de uma «democracia orgânica» por Salazar, em 1933. Uma «democracia» em que só era consentido o partido único - a União Nacional - e em que os adversários políticos eram colocados fora da lei, considerados subversivos, perseguidos pela polícia política e forçados, muitas vezes, a passar à clandestinidade, para fugir à prisão.

Claro que Cavaco Silva não quer instituir uma democracia orgânica e tem respeitado sempre as regras da democracia pluralista, ascendendo aos mais altos cargos políticos através de eleições. Mas o seu desejo ardente de uma democracia consensual, sem conflitos entre adversários, sem «ilusões» e «utopias», virada para o «futuro» e cheia de «esperança», dominada pelo discurso politicamente correcto e esvaziada do confronto de ideias - que só pode subverter o consenso -, é qualquer coisa de genético e intrínseco, que está sempre implícito (e explícito) no discurso de Cavaco Silva.

A outra frase de Cavaco Silva que retive na memória, já esquecida mas também famosa, foi proferida por ele há oito anos, em 2 de Março de 2002, durante uma conferência na Faculdade de Economia do Porto.

A propósito da sustentabilidade da Segurança Social e referindo-se à quantidade de funcionários públicos em Portugal (cujo numero, diga-se de passagem, aumentou significativamente durante os dez anos em que ele foi primeiro-ministro), Cavaco Silva disse, às tantas: «Como é que nos vemos livres deles? Reformá-los não resolve o problema, porque deixam de descontar para a Caixa Geral de Aposentações e, portanto, diminui também a receita do IRS. Só resta esperar que acabem por morrer».

Esta extraordinária declaração proferida por Cavaco Silva, que revela uma total insensibilidade humana, não lhe deve ser levada a mal, porque é característica dos tecnocratas da política, sempre mais preocupados com os números do que com as pessoas. Cavaco Silva é isso mesmo, um tecnocrata da política. Considera-se, acima de tudo, um economista, e foi assim, como economista, que quis ser eleito Presidente da República há cinco anos.

Em reforço desta tese, não resisto à tentação de citar uma passagem da entrevista que Cavaco Silva concedeu ao Expresso, publicada em 23 de Outubro, que ilustra bastante bem o lado acentuadamente tecnocrático, mas também burocrático, da personalidade política de Cavaco Silva.

Quando diz que chamou os partidos, «na sequência da afirmação de que o Governo não teria condições para governar sem a aprovação do Orçamento de Estado», Cavaco Silva salienta: «Forneci às forças políticas toda a informação relativa às consequências de uma crise, no caso da não aprovação do orçamento. E forneci informação bastante detalhada relativamente à dependência da economia portuguesa dos mercados financeiros internacionais».

Tanta minúcia comove. Dá vontade de perguntar como é que Cavaco Silva terá fornecido aos partidos toda aquela informação? Terá sido em dossiers repletos de relatórios escritos em folhas A4? Ou ter-se-á limitado a proferir uma lição, do tipo magister dixit, aos pobres ignorantes que foram a Belém em representação dos partidos?

A minha curiosidade é grande. Mas a declaração citada revela bem que Cavaco Silva não é apenas um tecnocrata. É também um verdadeiro burocrata da política que dedica muito do seu tempo em Belém a coligir informação (em jornais, estudos, pareceres, relatórios oficiais), a qual, uma vez fornecida a políticos inteligentes, só pode, em sua opinião, obrigá-los a chegar às mesmas conclusões. É a escola do pensamento único em todo o seu esplendor. É a democracia consensual, sem conflitos e sem alternativas, elevada por Cavaco Silva a um patamar nunca dantes alcançado.

2.

AO LONGO dos anos, tem sido construído um mito à volta de Cavaco Silva, que o próprio vem alimentando desde que exerceu as funções de primeiro-ministro, entre 1985 e 1995. Aliás, na já citada entrevista ao Expresso, ele não perde a oportunidade de declarar, às tantas: «Eu sei bem a situação em que deixei Portugal em 1995 e tenho muito orgulho».

Sem questionar o «muito orgulho» a que Cavaco Silva tem direito, é bom salientar que o balanço de dez anos de «cavaquismo» está longe de ser brilhante, tal como convém lembrar as circunstâncias excepcionais em que Cavaco Silva acedeu ao poder, dando provas do seu proverbial sentido da oportunidade, que alguns qualificam como puro oportunismo político.

Refira-se, para começar, que Cavaco Silva se afastou sempre da vida política e do poder quando previa momentos difíceis (recusou-se, em 1980, a fazer parte dos Governos da AD chefiados por Francisco Balsemão) e regressou à política para reconquistar o poder quando outros já tinham feito o trabalho mais difícil (Mário Soares e o Governo do «bloco central», em 1985) ou estavam a fazê-lo (primeiro Governo de Sócrates, em 2005).

Depois de ter sido o ministro das Finanças do primeiro Governo da AD, chefiado por Sá Carneiro (VI Governo constitucional), Cavaco Silva não aceitou continuar como ministro das Finanças dos Governos chefiados por Francisco Balsemão, porventura por conhecer bem, como certamente conhecia, as consequências da política económica e financeira que ele próprio tinha adoptado em 1979-1980 - a saber: perda de competitividade da economia; agravamento brutal do défice externo; enorme endividamento em dólares das empresas públicas; recusa de financiamento por parte do sistema financeiro internacional, face um défice externo record.

Quando estes gravíssimos problemas foram resolvidos pelo Governo do «bloco central», chefiado por Mário Soares, entre 13 Junho de 1983 e 6 Novembro de 1985 (a saber: recuperação da competitividade da economia; controlo das contas públicas; eliminação do défice externo; restauração da credibilidade do país face às instituições internacionais; abertura do processo de reprivatização da economia; assinatura do Tratado de Adesão à CEE), Cavaco Silva decidiu regressar à vida política activa, conquistando a liderança do PSD, no congresso da Figueira da Foz, derrubando o Governo do «bloco central», com a conivência do Presidente da República, Ramalho Eanes, e provocando, assim, eleições legislativas antecipadas.

Como primeiro-ministro, Cavaco Silva beneficiou dos excelentes resultados das políticas levadas a cabo pelo Governo do «bloco central» – designadamente, do excedente da balança de transacções correntes, da abertura do mercado espanhol propiciada pela integração na CEE e das abundantes transferências de fundos estruturais provenientes de Bruxelas – o que, naturalmente, favoreceu um crescimento rápido da economia, a descida da inflação e dos défices, e o aumento do emprego.

No entanto, conforme salienta a economista Teodora Cardoso, numa pormenorizada «análise crítica» publicada em 2005 (sob o título «Cavaco Silva, a ciência económica e a política»), o que «começou por faltar» a Cavaco Silva foi «uma orientação inequívoca, no sentido de aproveitar esta fase ímpar, mas passageira, para preparar a economia para um tipo de competição completamente diferente daquela que enfrentara no passado. (…) O caminho para Portugal não podia continuar a ser o da falta de qualificação e dos baixos salários».

Teodora Cardoso esclarece o seu ponto de vista: «Ao contrário da moda recente de criticar a opção pelas infra-estruturas, não me parece que esta tenha sido um erro. Erros sim – e graves – foram a incapacidade de usar eficazmente os fundos de formação profissional; de levar a cabo uma reforma do sistema de ensino que privilegiasse as necessidades da sociedade e da economia; de proceder a um correcto reordenamento do território e a uma reforma do processo orçamental que permitisse a descentralização racional da gestão pública; ou (a incapacidade) de criar uma administração pública e parceiros sociais preparados para encaminhar o país no sentido que a integração europeia e mundial lhe impunham. Ao contrário do que às vezes se deixa entender, o facto de se construírem estradas não impedia que se melhorasse a qualificação dos portugueses. Pelo contrário, face à abundância dos fundos estruturais e ao crescimento rápido da economia e da sua capacidade de financiamento, ambas as opções eram não só possíveis como indispensáveis».

Aproveitando «uma folga financeira irrepetível», Cavaco Silva criou um novo sistema retributivo (NSR) da administração pública, que podia ter sido a contrapartida ideal para levar por diante as reformas indispensáveis, mesmo que impopulares. Mas não foi. Cavaco Silva não quis correr riscos, e nem sequer mexeu nos múltiplos esquemas «especiais» que continuaram a proliferar durante os seus governos. Por isso mesmo, conforme conclui a professora Teodora Cardoso: «O que Cavaco Silva nos legou reduziu-se à expansão dos regimes especiais, ao reforço da rigidez e da incapacidade de gestão e inovação, e, sobretudo, a um aumento dos encargos com a função pública que correspondeu, em termos reais, à mais que duplicação da massa salarial das administrações públicas entre 1985 e 1995».

Mas os graves erros cometidos por Cavaco Silva não se ficaram por aqui. Como recordou António Perez Metelo, num artigo publicado no DN Economia, em 12 de Julho de 2006: «Em termos de Segurança Social é bem sabido que, entre 1985 e 1995, o Estado não pagou integralmente as verbas devidas ao correcto financiamento dos sistemas não contributivos. Criou-se, aí, um défice, que acelerou as tensões à volta do financiamento sustentado de toda a Segurança Social pública». E essas verbas, esclarecia Perez Metelo, situaram-se «na casa dos milhares de milhões de euros».

Antecipando as consequências dos seus erros – défices excessivos do sector público administrativo; aumento da despesa pública superior a 12 %, entre 1990 e 1995; taxa de crescimento muito baixa (0,8 %, em vez dos 2,8 % que tinha prometido, entre 1991 e 1994); taxa de desemprego a crescer (superior a 7 % em 1994) – Cavaco Silva, depois de alimentar o famoso «tabu», decidiu mais uma vez afastar-se, quer da chefia do Governo quer da chefia do PSD, deixando a «batata quente» nas mãos de Fernando Nogueira, que lhe sucedeu como presidente do partido e acabou por ser derrotado por António Guterres nas eleições legislativas de 1995.

3.

CAVACO Silva ainda disputou a eleição presidencial de 1996 – mais para tentar provar que não «fugia» do que convencido de que a ganharia – mas, uma vez derrotado, afastou-se da vida política activa e remeteu-se a um silêncio algo ruidoso. Prevendo a crise que se agravou a partir de 2001, Cavaco Silva ajudou a derrubar o Governo de coligação entre o seu próprio partido e o CDS-PP (o Governo de Santana Lopes), e continuou a preparar discretamente a sua nova candidatura a Belém, alimentando mais um «tabu». E quando o Governo do PS (saído das eleições de Fevereiro de 2005 e chefiado por José Sócrates) tomou as medidas duríssimas e impôs as políticas de austeridade que são conhecidas, Cavaco Silva não hesitou em considerar que era chegado o momento de regressar à política activa. E a verdade é que, como diria Júlio César, regressou, viu e venceu.

Cavaco não é, de facto, um político para os momentos difíceis. Mas é um político que sabe tirar partido deles. Em relação à gravíssima crise que o país actualmente atravessa, já sacudiu a água do capote. Na declaração de recandidatura a Belém, já teve o cuidado – e a falta de pudor – de afirmar, sem se rir, que o Pais ainda estaria pior se não fossem os avisos e os alertas que ele dispensou com tanta generosidade, durante cinco anos. É assim que o Presidente economista pretende ultrapassar a frustração de não ter sido capaz de cumprir o que prometeu na eleição de 2005. Ou seja: com ele em Belém, o país nunca poderia chegar ao ponto a que agora chegou.

Que pena não terem lido, tanto em Portugal como lá fora, todas as informações coligidas e fornecidas urbi et orbi por Cavaco Silva. Porque, se as tivessem lido, todos teriam chegado às mesmas conclusões e o mundo estaria bem melhor, porventura a caminho de amanhãs que cantam!

Os mitos são sempre muito duros e resistem bastante à realidade, por mais evidente que ela seja. Cavaco Silva sabe disso – e a direita que o quer transportar num andor, também. Esta crise brutal – somada ao inevitável parecer positivo da sua augusta família – veio de novo favorecer os desígnios de Cavaco Silva e tornar mais difícil a tarefa daqueles que o vão enfrentar. Porque agora ele já não se candidata apenas como o economista capaz de resolver as crises. Candidata-se em nome de Portugal, como ele próprio disse, sugerindo a imagem quase subliminar de partido único, numa democracia consensual totalmente despolitizada e despartidarizada. Cavaco Silva advoga «o fim da política». E isso é um perigo para a democracia.
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Publicado no «i» de 1 de Novembro de 2010

segunda-feira, 18 de outubro de 2010

O Padre Ventura é perigoso



ESTÁ A CIRCULAR na Internet uma entrevista de um tal padre Fernando Ventura à SIC Notícias, que é um modelo de demagogia antidemocrática disfarçada de erudição.

Até certa altura da entrevista, este padre faz críticas que qualquer cidadão sensato – e justamente indignado com o que se está a passar – poderá subscrever e compartilhar.

Mas, a partir de certa altura, insidiosamente e como quem não quer a coisa, o padre vai arrasando os políticos (todos os políticos), os partidos (todos os partidos) e, implicitamente, todo o sistema democrático (que é demonizado).

E quando, às tantas, ele diz que os conceitos de «esquerda» e «direita» estão ultrapassados, descobre a careca. Já sabemos, há mais de meio século, que esse é um argumento típico de gente de (extrema) direita.

Foi com discursos como este que a (extrema) direita católica e os militares reaccionários deram o golpe do 28 de Maio, em 1926, acabaram com a I República, foram buscar Salazar e implantaram o Estado Novo, que oprimiu o País durante quase meio século.

Aliás, é com manifesto deleite e desonestidade intelectual que o padre Fernando Ventura ataca e arrasa a I República, indo ao ponto de concordar com a entrevistadora quando esta dá a entender que, hoje, há tanto analfabetismo em Portugal como há 100 anos. De bradar aos céus!

Não admira que, no ambiente tão deletério em que estamos a viver, tenha aparecido agora outro padre (nos telejornais) a celebrar a missa numa igreja cheia de devotos (fregueses) com capacetes na cabeça (tal como ele) e a proclamar que a I República «roubou» aquele templo à Igreja, faz agora 100 anos.

O padre Ventura chega mesmo a sugerir que os políticos sejam levados a tribunal. Mas ainda não vai ao ponto de propor – como ouvi um «popular» dizer, num fórum da SIC Notícias – que os militares deviam prender estes governantes e julgá-los em tribunal marcial.

Nada disto acontece por acaso. E é vergonhoso que a Igreja esteja, insidiosamente, a aproveitar-se da situação de gravíssima crise que o País atravessa, para pôr as garras de fora e atacar brutalmente a democracia.

É evidente que isto não me dispensa de criticar duramente José Sócrates e Pedro Passos Coelho - políticos de plástico que rivalizam na demagogia, na irresponsabilidade e na incompetência políticas - nem de desejar a demissão de um dos mais patéticos Ministros das Finanças que já tivemos desde o 25 de Abril: Teixeira dos Santos.

Mas julgo que os democratas devem ter o cuidado de saber distinguir entre a crítica política necessária - e contundente – ao poder do dia, e este discurso reaccionário, «neo-clericalista» e antidemocrático de um padre que é, manifestamente, oriundo da direita mais reaccionária.

sexta-feira, 3 de setembro de 2010

IRAQUE: MENTIROSOS OU IDIOTAS ÚTEIS

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AO CONTRÁRIO do que hoje afirma Martins da Cruz, então Ministro dos Negócios Estrangeiros do governo de coligação PSD-CDS chefiado por Durão Barroso, não havia, em 2003, «um consenso generalizado sobre a existência de armas de destruição massiva (ADM) no Iraque». Tal consenso restringia-se ao trio dos Açores (Bush, Blair, Aznar), ao seu «mordomo», Durão Barroso, e a outros governantes europeus desejosos de embarcarem no comboio da invasão e ocupação ilegais do Iraque, contra o sentimento expresso pela esmagadora maioria das opiniões públicas europeias.

Por um lado, havia as análises e informações manipuladas pelos serviços secretos norte-americanos e britânicos, a mando de Blair, Bush, Rumsfeld e quejandos. Para estes, as ADM cresciam como cogumelos no Iraque e o exército de Saddam era o quinto mais poderoso do mundo, apesar de 10 anos de embargo e desmantelamento sistemático de ADM.

Por outro lado, havia as análises e informações públicas produzidas por Hans Blix (o diplomata sueco que chefiava a missão de inspectores de armamento da ONU), Mohamed El Baradei (o diplomata egípcio que sucedeu a Hans Blix como director-geral da Agência Internacional de Energia Atómica), antigos inspectores da ONU e vários correspondentes militares e enviados especiais de jornais norte-americanos e europeus. Todos estes afirmavam peremptoriamente que já não existiam ADM no Iraque. E Hans Blix declarou publicamente que ele e os seus inspectores já tinham «efectuado cerca de 700 inspecções e em nenhum caso foram encontradas armas de destruição maciça» em qualquer sítio do Iraque.

Pessoalmente, sempre dei crédito a estas fontes públicas e, por isso mesmo, não hesitei em afirmar no «Expresso», em 18 de Janeiro de 2003 (três meses antes da invasão), que Bush e Blair preferiam invadir o Iraque, e não a Coreia do Norte, porque «no Iraque (…) há ouro negro, o Ladrão de Bagdad (Saddam Hussein) está cada vez mais fraco e já não possui armas de destruição massiva». Como o pior cego é aquele que não quer ver, o trio lusitano constituído por Durão Barroso (PM), Paulo Portas (MD) e Martins da Cruz (MNE) apoiou garbosamente a invasão militar ilegal do Iraque, que teve início no dia 20 de Março de 2003. Com as consequências devastadoras que se conhecem. E só não enviaram tropas porque o então Presidente da Republica, Jorge Sampaio, sensatamente não o permitiu. Mas vingaram-se, enviando uma pequena força da GNR (e um «socialista» que lhes caiu como sopa no mel: o dr. José Lamego, lembram-se?).

Afirmei há dias, na SIC Notícias, que Durão Barroso e Paulo Portas «mentiram deliberadamente aos portugueses» (sobre a existência de ADM e de células da Al Qaeda no Iraque). Devia ter sido mais subtil, dizendo o mesmo por outras palavras: Durão Barroso e Paulo Portas colaboraram activamente e com entusiasmo na mentira que os senhores Blair, Bush e Rumsfeld (o «amigo Donald» de Paulo Portas) pregaram ao mundo, com o apoio ideológico dos neo-conservadores (ex-esquerdistas que se tornaram aprendizes de feiticeiro). Porque, das duas, uma: ou Durão Barroso, Paulo Portas e Martins da Cruz sabiam que era mentira o que Blair, Bush e Rumsfeld lhes impingiram - e portaram-se como mentirosos compulsivos; ou então também foram enganados - e portaram-se como idiotas úteis. Há que reconhecer que a escolha é muito embaraçosa.

O balanço de sete anos de guerra é desastroso, sob todos os pontos de vista. A contabilidade dos mortos é cruel. O registo das perdas americanas é muito preciso: até 24 de Agosto, tinham morrido 4.420 militares e 1.487 funcionários civis, além de 31.897 feridos em combate. Do lado iraquiano, o registo é tão vago quanto assustador: cerca de meio milhão de mortos, embora as diversas estimativas oscilem entre um mínimo de 200.000 e um máximo de 600.00 mortos. Ninguém estabelece a diferença entre aqueles que foram vítimas da estratégia de «choque e pavor» das tropas americanas e britânicas, aqueles que têm sido vítimas da guerra civil entre sunitas e xiitas desencadeada pela invasão, e aqueles que continuam a ser vítimas da estratégia terrorista posta em prática pela Al Qaeda, cujos elementos só lograram infiltrar-se no Iraque a partir da ocupação militar do país.

Entre todos os governantes política e moralmente responsáveis pela invasão e ocupação militar do Iraque, e pelas carnificinas que se seguiram, ainda há alguns que se mantêm activos e cuja indiferença perante a tragédia é total. Entre estes contam-se: o «mordomo das Lajes», Durão Barroso, que foi promovido a presidente da Comissão Europeia (e continua em Bruxelas a presidir ao «desastre europeu»); e o «amigo de Rumsfeld», Paulo Portas, que não despega da liderança do CDS e continua bastante preocupado com a segurança dos portugueses (a dos iraquianos que vá para o diabo!).

Numa altura em que os políticos de direita não poupam nos insultos e passam o tempo a chamar «mentiroso» ao PM, seria útil que os presidentes do PPD/PSD e do CDS/PP se interrogassem sobre o passado recente dos seus partidos e chegassem a uma conclusão: os seus antecessores, em 2003, portaram-se como mentirosos ou como idiotas úteis? Paulo Portas pode ser dispensado de responder, para não decidir como juiz em causa própria.
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Jornal «i» de 1 de Setembro de 2010

domingo, 20 de junho de 2010

Portão 'Arte Nova'

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Belíssimo portão ‘Arte Nova’ de um edifício (antigo restaurante) sobranceiro à Praia da Mareta (Sagres). O edifício está desactivado e, aparentemente, votado ao abandono, mas o portão é uma verdadeira obra-prima que mereceria ser protegida, antes de ser carcomida pela ferrugem.

quarta-feira, 2 de junho de 2010

APOIO SEM TIBIEZAS

SOU REPUBLICANO, socialista e laico. Seria inconcebível eu apoiar um candidato a Belém que não preenchesse essas três características. Acho que o PS fez muito bem em declarar um apoio inequívoco e sem tibiezas ao candidato Manuel Alegre. Poderia ser outro o candidato apoiado pelo PS? Claro que sim. Mas nenhum dos nomes aventados teve coragem política para avançar. Coragem que não faltou a Manuel Alegre e tornou incontornável a sua candidatura. Não haverá unanimidade de opiniões dentro do PS? Também não a houve em 1986, quando Soares, Zenha e Pintassilgo dividiram o eleitorado socialista. Soares passou à 2ª volta apenas com metade dos votos (25,43 %) da esquerda, mas fez o pleno e derrotou Freitas do Amaral.

Cavaco Silva, provável (re)candidato da direita, será republicano, mas não é socialista e duvido que seja laico. Não serve. Fernando Nobre, um epifenómeno político oriundo do vazio ideológico, diz que é monárquico, politicamente saltita e talvez seja laico. Também não serve. Convém que a esquerda perceba a importância de votar em Manuel Alegre, para evitar a hegemonia do poder pela direita, que já prepara o seu regresso, mais neoliberal e reaccionária do que nunca.

«DN» de 1 de Junho de 2010

sexta-feira, 14 de maio de 2010

Recordando Saldanha Sanches

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Foto tirada em 1962 (há 48 anos!), no Colégio Moderno, à turma do 7º ano do Liceu a que pertencíamos o José Luís Saldanha Sanches e eu. Estamos os dois (‘caixas d’óculos’), ao lado um do outro, na 1ª fila (da esquerda para a direita).

quinta-feira, 4 de março de 2010

CONTRA O «SANTO DE SERVIÇO»

NA CRÓNICA INTITULADA «O desmancha-prazeres», publicada na VISÃO de 25 de Fevereiro passado, em que comenta a candidatura de Fernando Nobre a Presidente da República, o jornalista Filipe Luís remata o texto afirmando que lhe «causa particular estranheza - e indicia uma certa desorientação - que um homem como Alfredo Barroso, que (…) pertence àquele clã dos republicanos puros, tenha arrasado» a candidatura a Belém daquele facultativo «humanista» e «especialista em grandes urgências» (como o próprio candidato se intitulou em recente entrevista ao EXPRESSO).

Sucede que Filipe Luís, ao redigir a parte final da sua tão interessante crónica, se deve ter esquecido do que escreveu na primeira parte - o que o fez entrar em manifesta contradição consigo próprio, em tão curto espaço e em tão pouco tempo. De facto, os argumentos que tenho invocado publicamente contra esta insólita candidatura a Belém são exactamente aqueles que Filipe Luís enunciou na sua crónica, antes de se esquecer deles e de me pregar o «sermão democrático» que agora está na moda.

É Filipe Luís quem salienta, por exemplo, que «os portugueses têm de Fernando Nobre a ideia de uma espécie de santo de serviço». Eu nem fui tão longe - limitei-me a referir que há quem o considere «uma espécie de missionário». Ora, eu não aprecio, não apoio, nem voto em «missionários» que se desviam da sua missão original e decidem intrometer-se na política com discursos moralistas e propósitos saneadores.

É também Filipe Luís quem salienta, na sua crónica, que o candidato «faz apelo a um certo sentimento antipartidário». Que «o tom do seu discurso de apresentação é vagamente sebastianista» e «está na fronteira do populismo fácil antipolíticos». Que se trata de um personagem «desconcertante» que «já apoiou candidatos do PS, do PSD e do Bloco de Esquerda». Que o nosso humilde facultativo tem de «encontrar um ponto de equilíbrio que o impeça de resvalar para a demagogia antipartidária». E que - «last but not the least» - ele terá de «afastar uma certa imagem de arrivismo».

Filipe Luís não podia ter sido mais certeiro na identificação dos perigos que esta insólita candidatura envolve. Subscrevo tudo o que ele disse, mas reconheço que há uma diferença: é que o articulista da VISÃO é um optimista e crê que todos esses perigos serão afastados pelo candidato; ao passo que eu sou um céptico e estou convencido de que todos esses (e outros) perigos constituem como que uma segunda natureza e estão colados à pele do humilde facultativo que decidiu candidatar-se a Belém.

Só mais um esclarecimento. Não pertenço, nem nunca pertenci, «àquele clã dos republicanos puros», cuja existência ignorava por completo. Aliás, devo dizer que perdi a minha «virgindade» política há meio século. Sou republicano, sem dúvida. Mas sou, sobretudo, adepto da democracia representativa e pluripartidária. Não aprecio a intrusão de moralistas, oportunistas e arrivistas na política. Não voto em «salvadores da pátria» e não quero que um «santo de serviço» seja eleito Presidente da República.

«Visão» de 4 Mar 10

quinta-feira, 11 de fevereiro de 2010

Impasse Político

O PS VIVE EMPAREDADO entre uma direita medíocre e populista - incarnada por um PSD constantemente à deriva e um CDS seráfico e oportunista - e uma extrema-esquerda dogmática e adepta do quanto pior melhor - representada por um BE sobretudo trotskista e por um PCP inequivocamente estalinista.

Além disso, o PS tem problemas de identidade. Fascinado pela terceira via de Blair e Schroeder, tornou-se, com Guterres, um partido da esquerda neoliberal. Mas a crise económica e financeira mundial caiu-lhe em cima com brutalidade, pondo a nu o fiasco do neoliberalismo e da terceira via. Redescobriu, então, a excelência dos valores e princípios da social-democracia, no combate à crise. Mas o PS ainda está no limbo, sem uma política de alianças que lhe permita romper o cerco: ou se alia a um partido da direita, ou lhe puxam o tapete à esquerda, e cai sozinho.

O impasse político português é tão simples e tão grave quanto isto: os partidos estão a demonstrar que, ao invés do que diziam, é impossível governar em minoria com estabilidade. Cavaco exulta. O cenário é propício ao regresso da direita ao poder com a sua ajuda, se for reeleito. Regresso que será inevitável se o PS não conseguir dividir a direita ou persuadir a extrema-esquerda a mudar de atitude.

FOCUS de 10 de Fevereiro de 2010