quarta-feira, 10 de abril de 2013

Na morte de Thatcher, amiga de Pinochet

MORREU Margaret Thatcher, uma das principais responsáveis pela contra-revolução neoliberal que há mais de 30 anos vem devastando os regimes democráticos ocidentais, distorcendo a economia, tornando as sociedades democráticas cada vez mais desiguais, destruindo a coesão social, impondo o «casino da especulação monetária» e a ditadura dos mercados financeiros globais que hoje mandam em nós.
Morreu, além disso, a amiga de Pinochet, um dos ditadores mais sanguinários e corruptos da América Latina, que permitiu que o Chile se tornasse banco de ensaio das políticas ultraliberais preconizadas pela famigerada «escola de Chicago» e levadas a cabo pelos «Chicago boys», apadrinhados por Milton Friedman e Friederich von Hayek, figuras tutelares do pensamento de Margaret Thatcher, além da mercearia do pai.
Não faço esta acusação de ânimo leve. São factos conhecidos, designadamente a sua acendrada admiração por Augusto Pinochet, como se projectasse nele aquilo que ela desejaria impor, mas nunca poderia conseguir, na velha democracia inglesa. Há muitas fotos em que aparecem ambos sorridentes, lado a lado, quer quando o ditador estava no poder, quer quando o detiveram em Londres na sequência do pedido de extradição efectuado pelo juiz espanhol Baltazar Garzon, que o acusou de ser responsável, durante a ditadura, pelo assassínio e desaparecimento de vários cidadãos espanhóis.
Esta mulher a quem chamaram «dama de ferro», como poderiam ter chamado «de zinco» ou «de chumbo», nutria um profundo desprezo pelos grandes intelectuais ingleses do seu tempo, designadamente Aldous Huxley, John Maynard Keynes, Bertrand Russell, Virgínia Woolf e T. S. Eliot, conhecidos como o «círculo de Bloomsbury» (do nome do famoso bairro londrino de editores e livreiros e de boémia intelectual). A frustração dela perante o talento e a inteligência que irradiavam deles, e que ela não conseguia captar, levaram-na a considerá-los «intelectuais estouvados, que conduziram o Reino (Unido) pelos caminhos nada recomendáveis da segunda metade do século XX». Ao diabo as «literatices» da «clique de Bloomsbury», dizia ela. «O meu Bloomsbury foi Grantham» (onde o pai tinha a famosa mercearia) (…) Para compreender a economia de mercado, não há melhor escola do que a mercearia da esquina». Deve ser por isso que as mercearias estão a falir… 
Thatcher considerava «a distância entre ricos e pobres perfeitamente legítima» e proclamava «as virtudes da desigualdade social» como motor da economia. A verdade dos números é, no entanto, bastante diferente. Como salienta John Gray, um dos mais importantes pensadores contemporâneos, na Grã-Bretanha da chamada «dama de ferro» os níveis dos impostos e das despesas públicas eram tão ou mais altos, ao fim de 18 anos de governos conservadores, do que quando os trabalhistas deixaram o poder, em 1979. Ao mesmo tempo, nos EUA de Ronald Reagan, co-autor da «contra-revolução neoliberal», o mercado livre e desregulado destruiu a civilização de capitalismo liberal baseada no New Deal de Roosevelt, em que assentou a prosperidade do pós-guerra. 
Convém dizer que John Gray, autor de vários livros editados em português, entre os quais Falso Amanhecer (False Dawn), chegou a ser uma das figuras dominantes do pensamento da chamada «Nova Direita», que teve uma grande influência nas políticas que Thatcher pôs em prática. Mas ficou desiludido e alarmado com as terríveis consequências dessas políticas e tornou-se um dos críticos mais lúcidos e implacáveis dos «mercados livres globais», cuja desregulação tem causado os efeitos mais perversos nas sociedades contemporâneas, provocando a desintegração social e o colapso de muitas economias. O capitalismo global parece funcionar, segundo Gray, de acordo com as regras da selecção natural, destruindo e eliminando os que não conseguem adaptar-se e recompensando, quase sempre de maneira desproporcionada, os que se adaptam com sucesso. Estas são, logicamente, as inevitáveis consequências do pensamento de Thatcher, ao pôr em prática «as virtudes da desigualdade social» como motor da economia.
A pesada herança de Margaret Thatcher, tal como a de Ronald Reagan - adoptadas não apenas pela direita ultraliberal, mas também por uma certa esquerda neoliberal (Tony Blair, Gerhard Schröder e alguns discípulos da Europa do Sul, designadamente lusitanos) - é esta crise brutal em que a UE e os EUA estão mergulhados há já cinco anos. E o mais terrível é que é o pensamento dos principais responsáveis por esta crise que continua e prevalecer na maioria dos governos que prometem acabar com a crise através da austeridade, do empobrecimento dos cidadãos e do confisco dos seus direitos sociais. Thattcher foi um ser maléfico e não deixa saudades. 
 Lisboa, 8 de Abril de 2013

quarta-feira, 6 de fevereiro de 2013

NÃO É CÓMODO SER DE ESQUERDA



O EURODEPUTADO e famoso ex-ministro da Saúde de um governo do PS, António Correia de Campos, escreveu no Público, em 21 de Janeiro passado, que «o povo não come ideologia». Claro que não! Tal como não come música, literatura, artes plásticas, cinema e muitas outras coisas consideradas fúteis pelos economicistas de serviço. Ao contrário dos hamburgers da McDonald’s, por exemplo… Ou dos bifes que a drª Isabel Jonet acusou o povo de comer todos os dias, para ruína da pátria e da república… E quem não se recorda daquele ministro de Berlusconi que se atreveu a contrariar jornalistas que insistiam em falar-lhe de Cultura, dizendo que «a ‘Divina Comédia’ não serve para comer porque com ela não podemos fazer sanduíches»?!
«O povo não come ideologia» é uma frase muito batida, normalmente utilizada pela direita ou por políticos oriundos da extrema-esquerda sempre em trânsito para a direita. É característica do pragmatismo sem princípios que tomou conta dos partidos socialistas, social-democratas e trabalhistas membros da Internacional Socialista, na última década do século passado, a partir da fracassada Terceira Via teorizada por Anthony Giddens e adoptada por Tony Blair, Gerhard Schroeder, António Guterres e «tutti quanti» por essa Europa fora. No fundo, não passou de uma conversão encapotada às delícias do neoliberalismo. Foi uma abdicação ideológica que os tornou comparsas da direita e reforçou o «rotativismo» no poder, com as mordomias que ele confere e os tachos que permite distribuir.
«Ser de esquerda não tem necessariamente de ser cómodo. Quase nunca é» - dizia João Martins Pereira, uma referência ideológica para muitos da minha geração. E o que é uma ideologia? Para não complicar as coisas, recorro a um dicionário bem conhecido, o da Porto Editora, que reza assim sobre ideologia: «1. Sistema de ideias, valores e princípios que definem uma determinada visão do mundo, fundamentando e orientando a forma de agir de uma pessoa ou de um grupo social (partido político, grupo religioso, etc.) 2. Estudo da origem e da formação das ideias».
Claro que há ideologias boas e ideologias más, democráticas e totalitárias, pluralistas e intolerantes. Mas, ao contrário do que costuma afirmar a direita (sempre demagógica até ao tutano), não me parece que, em si mesmo, o conceito de ideologia seja um papão. Nem uma sanduíche de Dante. Nem um bife à Isabel Jonet. Aliás, só um «prodígio sem ossos» («boneless wonder», como chamava Churchill a alguns dos seus adversários políticos) é que pode singrar na política sem qualquer quadro de valores e princípios, sem uma visão do mundo que lhe sirva de referência, caminhando aos ziguezagues, recorrendo à navegação de cabotagem por incapacidade de se fazer ao largo e de correr riscos, definindo novos rumos e tentando mudar o estado das coisas para que os cidadãos consigam viver melhor, numa sociedade menos desigual, mais justa e mais solidária.
Um «prodígio sem ossos» não faz grandes ondas, provoca apenas uma ligeira ondulação enquanto aguarda tranquilamente a sua vez para regressar ao poder. A Internacional Socialista está cheia de «prodígios sem ossos» ansiosos por agradar a plutocratas, banqueiros, grandes empresas e seus accionistas, gestores e patrões. A Internacional Socialista está em crise profunda porque os partidos que dela fazem parte cortaram as suas raízes históricas, abdicaram de ter um pensamento próprio, autónomo, original, e julgaram erradamente que se renovavam catrapiscando ideias e propostas dos seus adversários da direita neoliberal e neoconservadora. Os resultados estão à vista. De facto, não é nada cómodo ser de esquerda…

«Público», 6 Fev 13

quinta-feira, 10 de janeiro de 2013

MOEDAS PELA BORDA FORA

O MOEDAS regozija-se com a ameaça de mais cortes, mais sofrimento e mais miséria inclusa num relatório do FMI que acumula várias toneladas de barro atiradas à parede da nossa desgraça. Este Moedas, mais do que insensível e irresponsável, é o perfeito imbecil. E é a prova, a par de António Borges, que o Goldman Sachs também contrata azémolas. Mas diga-se, sem receio de errar, que tais criaturas fazem jus ao tom geral que caracteriza este governo de fanáticos, incompetentes e hipócritas. 
As alimárias que desgovernam o país já há muito que perderam qualquer legitimidade para continuar no poleiro. Exercem hoje uma ignóbil ditadura financeira de fachada democrática, tentando encobrir a execrável germanofilia com um ridículo patriotismo de lapela. Como se já não bastasse hastear a bandeira nacional de pernas para o ar.
Atirem o Moedas pela borda fora! - é o que dá vontade de gritar. Mas atirem também o grande magarefe (Vitor Gaspar) e o seu megafone (Passos Coelho). Atrás deles terão de ir todos os outros, a começar pelo «professor doutor engenheiro» Miguel Relvas, vergonha do nosso ensino privado. Mas cuidado quando chegarem à ministra Cristas, para não atirarem fora o bebé dela com a água do banho. 
Sinceramente, já não há pachorra para as análises politicamente correctas a explicar com pezinhos de lã que estas alimárias puseram o país a saque!

quarta-feira, 9 de janeiro de 2013

ANÚNCIOS LUMINOSOS


LEMBRO-ME de, quando era rapaz, ter convencido um colega meu, oriundo de uma das colónias do Império, que Lisboa tinha um clima temperado graças aos anúncios luminosos. Claro que ele não sabia que o arquitecto Raul Lino era contra os anúncios luminosos nos Restauradores e no Rossio, nem sabia, aliás, quem era Raul Lino.
É este um bom pretexto, caros leitores friorentos, para vos dizer que, quando oiço Passos Coelho apanhado à má fila a fazer uma daquelas declarações improvisadas em que debita inanidades num estilo pomposo e com o lábio de cima esgalgado por um sorriso patético, lembro-me sempre do meu crédulo colega de há mais de meio século.
Hoje ouvi o nosso primeiro dizer, nessa postura e de esposa ao lado, que os portugueses já podem vislumbrar uma luz ao fundo do túnel. O sorriso dele até parecia escarninho – como se estivesse a gozar com o pagode – mas na verdade não passava de um esgar inestético. Em todo o caso, esperemos que a luz que ele já consegue lobrigar ao fundo do túnel não seja a de um comboio rápido que se aproxima de nós a toda a velocidade.
Eu diria que o grande magarefe Vítor Gaspar (corta verbas como quem corta carnes num talho) é quem convence o nosso primeiro a fazer estes anúncios luminosos, tal como eu convenci o meu colega de outrora sobre as virtudes meteorológicas desse tipo de anúncios em Lisboa.
De facto, o nosso primeiro parece ter deixado os miolos no talho, para se tornar no megafone do grande magarefe. Mas, como os anúncios nunca lhe iluminam o verbo, ele passa o tempo a desconversar e a descarrilar.
7 Jan 13 

terça-feira, 8 de janeiro de 2013

PERITOS E ESPECIALISTAS

Por Alfredo Barroso 
«GOVERNO tem 164 ‘especialistas’ a ganhar até 5.775 euros por mês» - titula o «i» na sua edição de hoje, 5 de Janeiro de 2013. 
 O vazio aterrador do pensamento político actual cria esta janela de oportunidade (e oportunismo) para a «muito douta ignorância de peritos e especialistas que pretendem esclarecer os responsáveis políticos e sociais» - como salienta Edgar Morin num texto publicado há dias no «Le Monde». 
Trata-se e ‘peritos’ e ‘especialistas’ completamente incapazes de relacionar entre si e assimilar a enorme quantidade de informações e conhecimentos que vão acumulando dia a dia, e que por isso também são incapazes de formular uma visão integrada, de conjunto, uma orientação coerente, um desígnio político, económico e social que responda aos sérios problemas, dificuldades e desafios que a realidade lhes impõe. 
Em boa parte dos casos, trata-se de ‘especialistas’ que alimentam «a ilusão de uma saída da crise através da economia neoliberal, que todavia foi a que produziu esta crise». Regra geral, porém, não têm sequer competências para desempenhar as funções para que foram, teoricamente, nomeados. No fundo, quase todos eles não passam de penduras do poder, que vivem (e bem) à custa do cartão do partido. É uma prática do «arco do poder» (e não apenas do «bloco central»), nos seus três tons: cor-de-laranja azedo, azul cueca e cor-de-rosa fanado. Entretanto, ganha-se bem na toca do Coelho… 
5 Jan 13

segunda-feira, 7 de janeiro de 2013

SOBRE RADICALISMOS


O RADICAL agressivo chama os bois pelos nomes: se o destinatário do insulto é um filho da puta, chama-lhe filho da puta! Já o radical chique tenta ser mais subtil: chama-lhe filho de uma senhora sem cama certa! Só que uma senhora assim não é necessariamente uma meretriz. Logo: está a ser feita uma generalização abusiva. Cuidado!
Veja-se também a coisa pelo lado do pai, que pode ser homem de uma só cama casado com mulher sem cama certa. Neste caso, o radical agressivo pode, se for caso disso, insultar o filho do casal chamando-lher: filho de um cornudo! Já o radical chique preferirá chamar-lhe: filho de um boi! Mas, atenção: os bois não devem ser menosprezados, já que, como dizia Camilo, são «ricos mananciais de bifes». Embora seja certo que D. Isabel Jonet acha que o povo não pode estar a comê-los todos os dias. Em todo ocaso, ando agora a fazer uma investigação para saber quando é que o povo os comia todos os dias. Será que vou descobrir a existência de um radicalismo bovino?!
Todas estas considerações resultam do facto de eu ser considerado um radical agressivo e nunca ter sido capaz de me tornar um radical chique. Até porque nunca consegui, nunca quis ou nunca pude praticar o tal radicalismo bovino que D. Jonet condena…

6 Jan 13

sexta-feira, 4 de janeiro de 2013

«REMOVIDO» DA SIC NOTÍCIAS

Caros amigos (poucos), simpatizantes (alguns) e conhecidos (muitos),
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CUMPRO o «doloroso dever» de participar – para gáudio de quem detesta as minhas opiniões e não me pode ver nem pintado – que fui, no dia 2, «removido», por telefone, do programa «Frente-a-Frente» da SIC Notícias, no qual participava desde o ano de 2004.
Digo «removido», porque me parece ser um bom compromisso entre o termo «dispensado» (politicamente correcto) e os termos «despedido» ou «corrido» (politicamente incorrectos). Justificações da «remoção»: 
i) necessidade de «renovar» a lista de «paineleiros», naturalmente «remoçando-a» (presumo que um velho rezingão como eu será substituído por um daqueles moçoilos geniais que agora dirigem o PS); 
ii) deixar de pagar as participações no «Frente-a-Frente» (150 euros cada uma), porque a SIC Notícias está paupérrima e passará a aceitar apenas «voluntários» (claro que tiveram o cuidado de não me perguntar se eu queria ser um deles…).  
Terminam assim 17 anos consecutivos de colaboração com órgãos de comunicação social do grupo «Impresa»: oito anos e meio como cronista do EXPRESSO, de que fui removido no auge da invasão do Iraque; outros oito anos e meio como colaborador da SIC Notícias, de que fui removido no auge da «guerra» declarada há poucos dias pelo «megafone» de Vitor Gaspar, Pedro Passos Coelho. Suponho que é uma «guerra» contra a esmagadora maioria dos portugueses, que continuam a empanturrar-se de bifes todos os dias…
Mas é claro que não deixa de ser exaltante imaginar a satisfação que esta notícia irá causar em figuras tão proeminentes como a augusta vice-presidente (da AR) Teresa Caeiro, o austero advogado José Luís Arnaut ou o venerável empresário Ângelo Correia – que se recusavam a enfrentar-me há já alguns meses com o beneplácito dos responsáveis pelo programa.
Não ignoro, todavia, que o gáudio não se confina ao chamado «arco do poder», nos seus três tons habituais: cor de laranja azeda, azul cueca e cor-de-rosa fanada. Também vai entrar de roldão em alguns órgãos de comunicação social do regime, politicamente correctos, onde não faltam opinadores tão chatos ou peneirentos como «intocáveis», e digníssimos «pilares» do statu quo que não apreciam dissidências políticas nem franco-atiradores (a não ser quando haja escândalo que aumente as audiências e/ou os leitores).
A única coisa que se me oferece dizer, sem me rir, neste momento, é a seguinte: quando se perde poder ou a aparência dele, por mais ínfimo que seja; quando não se tem a protecção de um partido, ou de uma «igreja», ou de uma associação «cívica» semi-clandestina, ou de um grupo de pressão, ou de um «sacristão», ou de um «patrão», ou de um «padrinho», etc., etc., etc. – o «lonesome cowboy» escusa de armar ao pingarelho, e não tem outro remédio se não o de meter a viola no saco e ir para a caça aos gambozinos.

Saudações democráticas,
Alfredo Barroso