domingo, 31 de julho de 2011

SUPER-ÁLVARO E AS DOSES DE CAVAL(L)O

Ficámos a saber, através de jornais, que o actual ministro das Finanças, Vítor Gaspar, é um adepto da «desinflação competitiva» e um defensor da «austeridade orçamental», e que o economista que mais admira é Milton Friedman, precursor da «escola de Chicago» e mentor dos Chicago boys, que aproveitaram o Chile como laboratório, durante a ditadura militar de Pinochet, para aplicarem o seu modelo económico neoliberal, ou ultraliberal (tanto faz).

Mas não ficámos a saber, através de jornais, que o actual super-ministro da Economia, Emprego, Obras Públicas, Transportes e Comunicações (ufa!), Álvaro Santos Pereira, é adepto de Domingo Felipe Cavallo, economista e político argentino que cometeu a proeza de conseguir ser, sucessivamente, presidente do Banco Central da Argentina durante a sangrenta ditadura dos generais («mandato» de Jorge Videla), depois ministro da Economia do Presidente peronista Carlos Menem (perdão aos generais da ditadura, venda ilegal de armas, «Plano Cavallo» com efeitos desastrosos para o país), e, finalmente, ministro da Economia do Presidente radical de centro-esquerda Fernando de la Rua (revoltas populares contra as medidas de Cavallo, que o levaram à demissão, à declaração do estado de sítio e à renúncia do Presidente).

Durante as décadas de 1980 e 1990, a Argentina foi a menina dos olhos do FMI, que considerava o governo de Buenos Aires o seu «melhor aluno», e Domingo Cavallo um discípulo dilecto do Consenso de Washington (mais ainda que os generais neoliberais da ditadura militar). A aplicação da receita («Plano Cavallo») foi brutal: despedimentos em massa; privatização a toque de caixa dos serviços de utilidade pública, designadamente, correios, gás, electricidade, água, telefones e companhias petrolíferas (40 mil milhões de dólares encaixados pelo Estado evaporar-se-iam na paisagem); (neo)liberalização intensiva da economia e do comércio externo; restrições brutais aos levantamentos bancários e congelamento de fundos (o famoso corralito), medida só decretada depois de os especuladores nacionais e internacionais terem conseguido colocar no estrangeiro cerca de 15 mil milhões de dólares; subida das taxas de juro; adopção do sistema de paridade fixa entre o dólar e o peso (que deu cabo das exportações); lei do défice zero (decretada ao abrigo de poderes especiais); diminuição em 13 % dos salários da função pública e das pensões de aposentação; cortes brutais nas despesas públicas.

O resultado destas «doses» de Cavallo foi desastroso. Desde a ditadura militar (1976-1983) ate à declaração do estado de sítio, em 20 de Dezembro de 2001 (depois de milhares de argentinos invadirem as ruas em manifestações de protesto, com assaltos a supermercados e outros estabelecimentos comerciais, e a repressão a causar 31 mortos e mais de mil feridos): a dívida externa argentina disparou de 7,6 para 132 mil milhões de dólares; o desemprego subiu de 3 para 20 %; os argentinos em situação de pobreza extrema passaram de 200 mil para cinco milhões; os que viviam no limiar da pobreza passaram de um milhão para 14 milhões (isto, num total de 37 milhões de habitantes em 2001); e ascendia a 120 mil milhões de dólares o montante das fortunas colocadas no estrangeiro por políticos, patrões e sindicalistas corruptos.

Mas o que é extraordinário, depois deste balanço catastrófico, é que Domingo Cavallo tenha publicado, em 2010, de colaboração com Joaquín Cottani, um estudo intitulado «Making fiscal consolidation work in Greece, Portugal, and Spain: Some lessons from Argentina». Não, não está enganado, caro leitor: são lições dirigidas aos «países europeus em dificuldades e com um alto nível de endividamento», como sublinha o nosso super-Álvaro, no livro que publicou em Abril passado: «Portugal na hora da verdade – como vencer a crise nacional» (Gradiva). Parece que Domingo Cavallo é um «reputadíssimo» teórico e professor de Economia. Quanto a Joaquin Cottani, economista-chefe para a América Latina do Citi, foi subsecretário de Estado de Política Macroeconómica, subsecretário de Estado das Finanças e representante financeiro da Argentina em Washington, nos anos 1990, antes de ser contratado como economista-chefe para a América Latina do Lehman Brothers (também leu bem!) entre 1998 e 2003. Face a estes dois admiráveis currículos, só poderemos concluir que tudo recomenda Domingo Cavallo e Joaquín Cottani como especialistas aptos a dar conselhos aos países «à rasca» da União Europeia.

Se também assim pensou, melhor o fez o nosso ministro da Economia, Álvaro Santos Pereira, que cita abundantemente Cavallo e Cottani, para defender uma redução substancial das «contribuições fiscais e sociais afectas ao factor trabalho em contrapartida de um aumento dos impostos sobre o consumo e/ou da criação de um imposto verde (um imposto sobre as emissões de carbono)». Como diz Álvaro Santos Pereira, «Cavallo e Cottani defendem que seria possível reduzir entre 10 e 20 pontos percentuais as contribuições sociais, através do aumento da taxa geral do IVA em 2 ou 3%, ou através de uma harmonização das diversas taxas do IVA». Sucede que, por cá, «a taxa geral do IVA é de 23 %, mas a taxa reduzida é de 13 %, e a taxa super- reduzida é de 6 %». Ora, prossegue o nosso Super-Álvaro, «de acordo com Cavallo e Cottani, as perdas de receitas fiscais associadas à inexistência de uma taxa de IVA uniforme são muito substanciais». Em suma, para o nosso ministro da Economia faz todo o sentido «a substituição das taxas sobre o trabalho (como a taxa social única) pelo IVA (…), pois penaliza o consumo e estimula a poupança, que nos últimos anos tem baixado para níveis pouco salutares». Entre os 10 e os 20 pontos percentuais de que falam Cavallo e Cottani, Álvaro Santos Pereira opta por uma redução de 15 pontos percentuais da TSU, ou seja, das contribuições do patronato para a Segurança Social, acompanhada de uma correspondente subida do(s) IVA(s)! Não me pronuncio aqui sobre a bondade ou maldade desta medida preconizada pelo economista e ministro. Limito-me a oferecer o merecimento dos abundantes autos relativos a Cavallo e Cottani.

Confesso que foi um eufórico e laudatório ensaio de Henrique Raposo, publicado no EXPRESSO/Economia em 2 de Julho de 2011, com o melodioso título «Uma nova narrativa para Portugal», que me fez mergulhar na leitura do recém-publicado livro de Álvaro Santos Pereira que já referi. Raposo exprime uma grande exaltação patriótica pelo facto de ASP ser contra «a obsessão fontista que eleva o Estado a motor da economia, a obsessão de viciar a sociedade nas obras públicas» (estaria a pensar em Cavaco Silva?), e também pelo facto de ASP criticar «a narrativa dos direitos adquiridos, nomeadamente ao nível da lei laboral e da lei das rendas, dois factores de rigidez que dificultam a actividade económica» (de facto, a malta que trabalha é um enorme empecilho!). Mas Raposo não se dá conta de que, mais adiante, entra em manifesta contradição com esse desprezo pelos «direitos adquiridos» quando afirma que, «sem um Leviatã forte no campo da lei, não há economia que funcione». E também quando sustenta que é precisa «uma forte argamassa moral entre cidadãos e entre cidadãos e políticos». Acontece.

Henrique Raposo cita alguns clássicos, cujas lições terão sido aprendidas pelo nosso Super-Álvaro: «Adam Smith, Hume, Burke, John Adams, Lincoln, Tocqueville (i. e., o esquadrão de liberais à moda antiga)». Mas não reparou (ou não quis reparar) que ASP também aprendeu muito com Domingo Cavallo, que não é propriamente um «liberal à moda antiga», e cujas lições invoca para defender uma diminuição brutal da taxa social única. Além disso, Raposo não terá reparado que ASP também é adepto do «défice zero» (até 2016), tal como Cavallo era adepto do «défice zero», que decretou em Julho de 2001, ao abrigo de poderes especiais, numa Argentina à beira da bancarrota e da declaração do estado sítio, que ele contribuiu para provocar.

Verdade se diga que o nosso Super-Álvaro também é defensor - e ninguém fala disso - de «uma eventual reestruturação da nossa dívida externa». Diz mesmo que «o nosso nível de endividamento é de tal modo elevado e os nossos desequilíbrios externos são tão preocupantes, que é difícil equacionar um cenário em que tal não aconteça». E acrescenta, logo a seguir, que «esta reestruturação abrangeria não só um reescalonamento da dívida pública nacional (…), mas também uma diminuição do valor da dívida (os chamados haircuts da dívida)». Não sei se, como ministro, ASP manterá o que escreveu como economista. Mas sei que, agora que estão na moda as «narrativas», é bom que elas sejam tão rigorosas e completas quanto possível.
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Publicado no «EXPRESSO/Economia» de 30 de Julho de 2011

sábado, 23 de julho de 2011

ALERTA, VEM AÍ TSU(NAMI)!

Por Ludovico Agrícola (*)

MISSÃO INGRATA, a que espera Pedro e Paulo, o vosso dueto da corda! Sem ofensa para ninguém (apressou-se a acrescentar BMW, que não domina completamente esta língua tão traiçoeira). É que, executar de cabo a rabo, e de supetão, as 291 medidas do memorando da troika, só pondo o país de borco. É verdade que ele já mal se aguenta em pé, mas, ainda assim, digo-lhe que é missão impossível. Olhe a Grécia!

Talvez (respondi). Mas eu não espero que, a meio do caminho, suceda a Pedro Passos Coelho o mesmo que a Durão Barroso em 2004: ser convidado para presidir à Comissão Europeia, depois de a coligação «Força Portugal» (PPD-CDS) ter sido sovada pelo PS nas eleições europeias. Lá ficaria Paulo Portas com Miguel Relvas nos braços, depois de ter aguentado, há sete anos, com o peso do «menino guerreiro»!

Por mais resistência e resiliência que revelem os vossos novos heróis (insistiu BMW), não vai ser nada bonito ver o povo a penar, açoitado por despedimentos mais fáceis, mais desemprego, menos segurança social, subida de preços dos bens essenciais, juros mais altos, aumento do IVA, mais dívidas, mais pobreza, privatizações à la carte, desmantelamento de mais serviços do Estado… E por aí fora. Já viu bem?!

E digo-lhe mais, Ludovico: a redução da TSU (Taxa Social Única), tão afagada por Catroga e outros gestores e empresários, é apenas o símbolo do tsunami ultraliberal que vai arrasar a sociedade portuguesa. Sempre que oiço falar em «coragem para tomar medidas», já sei que são medidas para sacrificar os que menos têm. Regra geral, os que falam dessa «coragem» são os que sabem que nunca serão incomodados.

O dr. Bretton Woods tem muita experiência, mas é homem de pouca fé! Eu, por exemplo, tenho fé no que disse há poucos dias ao DN o pai do futuro PM: «O meu filho vai manter o Serviço Nacional de Saúde o mais lato possível»! Acha que o filho terá lata para desmentir o pai?! Também os professores devem estar felizes e despreocupados, já que o PPD foi, com o PCP e o BE, um dos paladinos dos ‘setôres’ e ‘setôras’ durante as greves e manifestações contra as duas ministras da Educação de Sócrates!

Além disso, caro dr. Bretton Woods, temos neste país uma indústria da caridade alimentar que deve ser das mais eficazes do mundo. Digo «caridade», por respeito pela vedeta mediática que dirige o banco alimentar contra a fome, que declarou não apreciar muito o termo «solidariedade». Ela é católica e acha que a solidariedade tem mais a ver com «o Estado Social», que «é algo que devia existir como garantia mas que devia estar reduzido ao mínimo possível». Menos Estado, mais caridade. Está a ver?!

Confio muito (rematei eu) no triângulo institucional Cavaco-Nobre-Passos, que irá presidir aos destinos da pátria e da república! O sonho de Sá Carneiro (uma maioria, um governo, um presidente) não poderia ter encontrado tradução mais genuína. Acha que uma troika assim poderá alguma vez transformar-se num triângulo das Bermudas? Que venha a outra troika avaliar-nos. Nós cá estaremos. De mão estendida.

«Expresso» de 10/Junho/2011
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(*) Ludovico Agrícola é um pseudónimo de Alfredo Barroso

terça-feira, 19 de julho de 2011

BRIGADEIROS E PAPAGAIOS

Por Ludovico Agrícola (*)

HÁ EM PORTUGAL, caro doutor Bretton Woods, vários políticos que ambicionavam chegar a generais, mas nunca passaram de brigadeiros. E agora vingam-se, sempre que lhes dão a oportunidade, fazendo a vida negra a outros políticos, normalmente os seus próprios líderes. A cada um desses brigadeiros sempre faltou, como diria um portuense, uma “agucinha” na cabeça para afiar o lápis da perspicácia política.

Tais brigadeiros com um apara-lápis a menos pululam no PPD, mas também os há, embora mais raros, no PS (os coronéis não são para aqui chamados). O mais famoso da actualidade, o brigadeiro Catroga, ainda foi de férias para o Brasil, mas regressou a tempo de disparar o seu bacamarte contra o Serviço Nacional de Saúde. Não lhe ficou atrás, e ainda fez pior, a brigadeira Ferreira Leite, ao deixar bem claro num comício que não estava ali a apoiar Passos Coelho para PM, mas sim a lutar para remover Sócrates do cargo. Toda ela a destilar ódio e ressentimento, Ferreira Leite foi ainda mais longe, reclamando que Sócrates também seja removido da oposição.

Ora, foi precisamente da oposição que o removeu o brigadeiro Almeida Santos, presidente do PS, no seu inimitável estilo de orador de banquetes. Numa entrevista ao semanário Sol, diz ele às tantas, com a subtileza de um tijolo, que “talvez o afastamento dele (Sócrates) simplifique nessa altura (quando o PS perder as eleições) uma solução nacional”. Aliás, Sócrates “vai sair disto cansadíssimo, estafado e também precisa de repousar”. Pior era impossível. Ferreira Leite deve ter exultado. E Sócrates bem pode exclamar, encarando o presidente do PS: “Também tu, Santos?!”.

Pois é, meu caro Ludovico (atalhou o doutor Bretton Woods), esses brigadeiros são delicados como picaretas! Mas, enquanto eles não se reformam definitivamente, é preciso reformar Portugal. Nestas curtas férias em Colares estive a reler o Eça, e já ele, em Maio de 1871, falava do partido reformista – “um estafermo austero, pesado, de voz possante” – e da “imensa impressão que causava nos moços de fretes”. Dava sempre a mesma resposta a todas as perguntas que lhe faziam. Inclusive quando lhe perguntavam as horas ou se gostava mais do papá ou da mamã, ele respondia: “Economias!”. E Eça concluía dizendo que o partido reformista era “o papagaio do Constitucionalismo”. Tal como o que agora aí vem será o papagaio da troika FMI-BCE-UE!

Na campanha eleitoral (rematou BMW) o memorando da troika foi tratado como se fosse um texto letal: quem o lesse morreria a chorar. Já na famosa anedota dos Monty Python, usada em 1944 na ofensiva das Ardenas, os soldados alemães morriam a rir ao lerem “a piada mais engraçada do mundo”. A vossa dúvida, daqui a meses, será saber se o papagaio no poleiro estará morto ou a repousar (como no sketch do Papagaio Azul dos Monty Python). É uma dúvida dilacerante! Como executar um programa neoliberal que não arrase um país em poucos meses? Os gregos já devem saber.

«Expresso» de 03/Junho/2011

(*) Ludovico Agrícola é um pseudónimo de Alfredo Barroso

A TINA E O ‘TITTYTAINMENT’

Por Ludovico Agrícola (*)

TINA, você conhece (perguntou-me BMW)? Não, não é a Tina Turner! É a frase “There Is No Alternative” (não há alternativa), atribuída a Margaret Thatcher, e que se tornou refrão, slogan e símbolo da vulgata económica neoliberal. É o dogma na origem desta grande crise e dos programas de austeridade selvagens feitos à medida do célebre “Consenso de Washington”, impostos à bruta pelo FMI em todo o mundo e pelo BCE numa União Europeia desunida que não passa de um imenso mercado.

E “Tittytainment”, sabe o que é? Eu digo-lhe: é um curioso neologismo criado por Zbigniew Brzezinski a partir das palavras “entertainment” (entretenimento) e “tits” (tetas em calão americano). Não, não é um convite ao sexo, mas sim ao entretenimento embrutecedor (tv sobretudo) e a uma alimentação suficiente (metáfora das tetas que dão leite), com o propósito de manter a boa disposição da população frustrada deste planeta globalizado. Isto porque se espera que, neste século, “duas décimas da população activa cheguem para manter a actividade da economia mundial”. O que fazer, então, das oito décimas restantes, para evitar o dilema “to have lunch or be lunch” (ter de comer ou ser comido)? Pois, recorrer ao “Tittytainment”, para que todos os excluídos se mantenham tranquilos. “Pão e circo”, em suma, como na antiga Roma Imperial…

Esta é a nova ordem social que os poderosos desejam impor-nos: um universo de países ricos sem classe média digna desse nome. Está agora a acontecer e foi previsto há 15 anos num livro escrito por dois jornalistas da revista alemã “Der Spiegel”, Hans-Peter Martin e Harald Schumann: “A armadilha da mundialização. A agressão contra a democracia e a prosperidade”. Vale a pena reler (aconselha o nosso “garganta funda”). A receita é sempre a mesma: diminuir as despesas do Estado, baixar os salários, cortar nas prestações sociais, nos abonos de família, nos subsídios de férias, de desemprego e de doença, segundo um modelo de austeridade rígido, acompanhado de privatizações e desmantelamento sistemático do Estado. Então e o “Tittytainment”?

Calma, uma coisa de cada vez! Agora estamos em depressão (em sentido amplo, diz BMW) e a depressão é uma pré-condição da prosperidade, tal como a prosperidade há-de conduzir-nos outra vez à depressão. São os altos e baixos de um sistema em crise permanente. Os economistas neoliberais ao serviço do FMI e das grandes empresas (que ‘oficiam’ na televisão sem fazerem qualquer declaração de interesses e apresentando-se como meros técnicos de alto coturno) não sabem nem querem raciocinar de outro modo: “There Is No Alternative”. TINA é a grande paixão! Impressiona-me a quantidade de economistas reaccionários formados pelo vosso ISEG, que se orgulham das estadias no (e do) FMI e se encostam aos partidos políticos que alternam no poder!

BMW está indignado. Foram vãos os esforços para atenuar as brutais medidas de austeridade, contraditórias e insensatas do ponto de vista económico: como crescer com políticas recessivas? Culpa dos credores, que querem vergar à viva força os devedores. É estupidez rematada, mas o FMI e o BCE só têm olhos para os credores!

«Expresso» de 28/Maio/2011

(*) Ludovico Agrícola é um pseudónimo de Alfredo Barroso

FMI, TRAVESTI, 'FACEBOOK' E SECOND LIFE

Por Ludovico Agrícola (*)

PELA PRIMEIRA VEZ desde que encetámos esta parceria de espionagem e comadrice em nome da verdade e da transparência (fica sempre bem falar assim em momentos tão graves e funestos), o Prof. Bretton Manning Woods (BMW), técnico multidisciplinar ao serviço do FMI, proporcionou-me a leitura de um excerto de um telegrama cifrado que Mister Blue Eyes enviou a Monsieur Dominique Strauss-Kahn, pouco antes da troika ir de férias para a Grécia, onde as coisas vão de mal a pior. O excerto reza assim:

«Falso alarme. Belle Dominique não é uma campanha jocosa contra o director-geral do FMI. É um artista português, hoje com 60 anos, que está a comemorar 35 anos de actuações como travesti, com espectáculos às sextas numa sociedade recreativa. Foi vedeta em clubes nocturnos que já desapareceram e num filme que entrou directamente para a história do cinema europeu: ‘Aventuras e Desventuras de Julieta Pipi’.

«É certo que se vestiu de prostituta envolta numa bandeira nacional, quando o FMI interveio em Portugal pela primeira vez. Mas é altamente improvável que repita a brincadeira. Até porque, como ele próprio diz, ‘o homem português é passivo e pouco corajoso’. Aliás, a campanha a favor desta nova intervenção, insistindo em que ‘o FMI não é nenhum papão’, foi levada a cabo por políticos e economistas de alto coturno, que sabem como alimentar o conformismo e a resignação do povo português.

«Saliento, além disso, que a nova reputação de bom samaritano generosamente atribuída ao FMI também resulta da taxa de juro cobrada por nós (3,25 %), mais baixa do que a cobrada pela UE (5,7%). Felizmente, a opinião pública ainda não percebeu que se trata de taxas diferentes, e que a nossa taxa pode trepar até aos 7% ou 8% em resultado da mais que provável subida das taxas de juro nos próximos anos».

Que cinismo! E que perversidade (exclamei eu, atormentado por tão excruciante leitura)! Claro que este telegrama é anterior ao novo acesso de priapismo do impetuoso director-geral do FMI, que desta vez foi mesmo parar à cadeia e está metido num lindo sarilho. Mas não sei se isso vai mudar alguma coisa deste lado do mar salgado.

Claro que não vai mudar nada (atalhou BMW)! E que poético que você está, caro Ludovico! Ainda vou vê-lo a cantar baladas e a tocar pífaro, no meio desse frenesi eleitoral em que o seu país está mergulhado. Mas você bem sabe que os tempos não são propícios a jucundos folguedos! Leu no Facebook a nova declaração do vosso PR? Num estilo de fazer inveja a Pangloss, acha que a execução do acordo «será muito exigente», e que «Portugal tem agora a responsabilidade de honrar os compromissos assumidos e encontrar um espaço para a justiça social e o desenvolvimento económico».

Li pois! E já dei por mim a imaginar um grupo de jovens de aspecto rebarbativo, crânios rapados e gengivas cor-de-laranja (que até poderiam chamar-se ‘Os Fedelhos de Catroga’ em honra do degredado), a roubar retroescavadoras e outra maquinaria para escavacar auto-estradas e obras públicas a mais, e encontrar assim o espaço sugerido por Cavaco no Facebook. Se as auto-estradas não derem, há-de arranjar-se algum espaço no ambiente virtual e tridimensional do Second Life! É só simular no computador!

«Expresso» de 21/Maio/2011

(*) Ludovico Agrícola é um pseudónimo de Alfredo Barroso

segunda-feira, 18 de julho de 2011

UMA 'TROIKA' SEM CORAÇÃO

Por Ludovico Agrícola (*)

COMPREENDO que queiram curtir a bisbilhotice da troika até ao tutano (disse BMW) mas não se iludam, a troika não tem coração, é tão esfíngica e desapiedada como o triângulo das Bermudas. Os triúnviros mais parecem andróides do que seres humanos, fazem-me lembrar o protagonista de um conto de Philip K. Dick, o sr. Garson Poole, que descobriu, às tantas, que a sua realidade consistia em fita perfurada a passar de bobina em bobina no interior do seu tórax. ‘The Electric Ant’ foi publicado em 1969.

Neste conto, porém (prosseguiu BMW), o andróide acaba por perfurar totalmente a fita, e o seu mundo, tal como o dos outros personagens, desaparece. Não é esse o caso das criaturas que constituem a troika, cuja função é fazer desaparecer, tão-somente, os vestígios de sangue causados pelos mercados financeiros e pelas agências de rating, obrigando as vítimas a pagar com juros.

Em ‘Pulp Fiction’, a fita de Tarantino, há um personagem semelhante, Winston ‘The Wolf’ Wolfe (Harvey Keitel), que vem limpar o sangue e os miolos espalhados pelos estofos do automóvel em que um tipo foi morto a tiro por lapso. Quando lhe perguntam o que faz na vida, Wolfe responde: ‘I solve problems’. Mais concisa é a resposta de ‘Léon’ (Jean Reno), na fita de Luc Besson. Quando a serigaita que ele se sente obrigado a proteger lhe pergunta pela profissão, Léon responde: ‘Cleaner’.

Como vê, meu caro Ludovico, já chegámos ao mundo da ficção, no qual se encaixa melhor o mundo da política. Aqui há sempre quem reclame grandes barrelas, mas quem quer limpar é, regra geral, pior do que quem sujou. A política não é um reino de andróides e gangsters. É, sobretudo, um mundo de gigantes e anões, em que os gigantes escasseiam (se é que não desapareceram de todo) e os anões proliferam como os coelhos.

Os meus amigos Fradique e Cassandra Silva, de quem fui vizinho em Colares, dizem-me que, por cá, já há quem não distinga entre ‘O Príncipe’ de Maquiavel e ‘O Principezinho’ de Saint-Éxupéry. Paradoxalmente, os únicos que terão lido o florentino de fio a pavio - Portas e Louçã - são os que mais parecem oriundos do asteróide B 612. Fradique, anticomunista primário, trata o secretário-geral do PCP por pitecantropos Jerónimo mas reconhece que ele diz, muitas vezes, verdades duras como punhos fechados.

Sócrates e Passos Coelho também lhes merecem sérias reservas. Não entendem como é possível que o chefe do PPD seja tratado como o ‘Obama de Massamá’ e ficam espantados com a dupla que ele faz com o ‘brigadeiro escarlate’, Eduardo Catroga. Quanto a Sócrates, a minha amiga Cassandra, mais subtil e menos reaccionária que Fradique, acha que, se ele vivesse no tempo dos Plantagenetas, teria a mesma sorte que Ricardo II, tal o ódio que suscitou nos adversários. Mas por cá ninguém se magoa, diz ela.

Já os andróides da troika (acrescento eu) consideram que o nosso estilo bombástico e lapidar só é bom para fazer inchar anões. E presumem que os gigantes estarão a olhar cá para baixo, para esta pequena comédia, e a rir.

Thomsen, Kröeger, Rüffer, benditos sejam! E o nosso Durão Barroso também!

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«Expresso» de 14/Maio/ 201

(*) Ludovico Agrícola é um pseudónimo de Alfredo Barroso

A DIVISÃO FAZ A FORÇA!

Por Ludovico Agrícola (*)

CARO LUDOVICO, não se deixe iludir pelo optimismo caudaloso de José Sócrates nem pela jucunda vacuidade de Passos Coelho, disse-me BMW. E acrescentou: Se não executarem a partitura nota à nota, o garrote financeiro esborracha-vos a maçã de Adão enquanto o diabo esfrega um olho.

BMW, ou Bretton Manning Woods, é o pseudónimo de um reputado técnico multi-disciplinar do FMI, membro da equipa de apoio à troika que veio a Lisboa tratar-nos da saúde. Viveu em Colares um bom par de anos, fala fluentemente português e admira tanto a campanha alegre de Eça de Queiroz como as cenas da vida diplomática de Lawrence Durrell.

Keynesiano fanático, BMW nasceu no dia (21/Abril/1946) em que o grande John Maynard (1,98 m) morreu. Detesta o Consenso de Washington e tem saudades do acordo de Bretton Woods. O outro apelido homenageia o jovem soldado raso Bradley Manning, hacker bostoniano que foi parar com os costados à cadeia de alta segurança de Quântico (Virgínia), por ter passado paletes de telegramas e vídeos confidenciais à WikiLeaks.

Aceitou sem pestanejar o papel de ‘garganta funda’ desde que também eu adoptasse um pseudónimo. Assim fiz: Ludovico Agrícola (dos Agrícolas de Trás-os-Montes). E aqui estou a servir de go-between. Mas avisei-o de que teríamos de ser espartanos porque só dispomos de três mil caracteres. Nada mau, replicou ele, tendo em conta que este país está a transformar-se numa república a pão e água para a grande maioria da população.

BMW disse-me do espanto que tem causado na troika a exuberância rubicunda de Eduardo Catroga, núncio de Cavaco na S. Caetano à Lapa e mentor programático de PPC. Espuma de raiva e parece apostado em imitar os Navy Seals da Team 6: capturar, matar e atirar ao mar José Sócrates como fizeram ao Bin Laden. Mas BMW inclina-se mais, com razão, para a figura do «portuguesinho valente», estilo «ó Evaristo tens cá disto» d’O Pátio das Cantigas. Insultam-se muito uns aos outros mas ninguém se magoa.

Também acharam graça ao facto de Mário Soares ter transformado Passos Coelho num melão a concurso. Disse MS, sobre as capacidades de PPC para ser PM: «É como os melões, só depois de aberto é que se sabe». Mas acrescentou que é um melão «muito sensato, lúcido e com um grande sentido de Estado». Sócrates amarinhou pelas paredes do Rato, mas disse aos seus camaradas que MS e o PSD vão ficar com um grande melão.

Perplexos ficaram ainda quando o presidente da CIP, António Saraiva, acusou o Governo de laxismo por conceder tolerância de ponto pascal, ao saberem que o patrão dos patrões também a concedeu aos seus funcionários para «ter ganhos em termos energéticos e de transportes» (sic). Mister Blue Eyes (FMI), tão imperturbável como um faquir numa cama de pregos, disse baixinho: Com patrões assim a direita portuguesa não vai longe.

Entretanto, PPC diz que não assina de cruz, não sabemos ao certo se Kaitanen garantirá o voto finlandês em Bruxelas, e o país ainda não ouviu todos os seus geniais ex-ministros das Finanças. A divisão faz a força!

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«Expresso» de 07/Maio/2011

(*) Ludovico Agrícola é um pseudónimo de Alfredo Barroso