sábado, 27 de janeiro de 2007

CRIMES HELVÉTICOS

NA MÍTICA SUIÇA de Guilherme Tell e do Monte Branco, do relógio de cuco e das vacas leiteiras, do chocolate Nestlé e do canivete multiforme, da indústria farmacêutica e do segredo bancário, da guarda privada do Papa e da eterna neutralidade, também há contos negros, crimes atrozes, personagens perversos e velhos «gargântuas», com uma sede e um apetite gigantescos, que se banqueteiam com ementas de fazer inveja a Pepe Carvalho e ao seu criador, Manuel Vázquez Montalban, que morreu há três anos.

Em 1976, Jean Ziegler denunciou Uma Suiça acima de qualquer suspeita, velho refúgio de capitais em fuga, a coberto do sigilo bancário e de contas numeradas, com os banqueiros a fazerem-se passar por pacíficos filantropos, sob o signo da Cruz Vermelha, da rentabilidade e da paz. A Paz Insuportável que John Le Carré descreveu, em 1991, na magnífica narrativa sobre um general do Exército helvético, Jean-Louis Jeanmaire, «que se fartara até à ponta dos cabelos de ser suíço» e que se tornara espião a soldo da URSS. Denunciado como «traidor do século», foi condenado a 18 anos de cadeia em 1977, aos 67 anos de idade. Sobreviveu, todavia, à pena de prisão, para contar a história: a de um espião que, conforme constata John Le Carré, saberia bem pouco para trair tanto.

Mas os tais crimes atrozes, personagens perversos e banquetes «gargantuescos», nesse «recanto da Europa Central primitivo e provinciano», ninguém os terá ficcionado melhor do que o suíço Friederich Dürrenmatt (1921-1990) nas suas magníficas novelas policiais. Todas as que li se desenrolam num pequeno país que «despolitizou a política» e que, «ao entrar no grande comércio, saiu da História». Um país varrido por um vento maléfico, seco e mórbido, o «Föhn», frequente no Norte dos Alpes, «que causa dores de cabeça, suicídios, divórcios, acidentes de trânsito e outras violências», como o escritor salienta em Justiz (Justiça), publicado há exactamente vinte anos e agora reeditado em língua francesa. Um vento como o suão, que fustiga os perseguidos pela justiça, sejam eles culpados ou inocentes, nas extraordinárias novelas de Friedrich Dürrenmatt.

Que eu saiba, a única à venda em língua portuguesa é a primeira (1951): O Juiz e o seu Carrasco (ASA de bolso). A concisão da escrita, a intensidade da intriga, a moral ambígua dos personagens culminam em duas cenas de antologia: o funeral do tenente da polícia e o banquete, farto e suicida, em que o inspector Bärlach desmascara o assassino que lhe serviu de carrasco. Já Die Panne (A Pane), é uma pequena obra-prima do humor negro. Durante um banquete «gargantuesco», quatro octogenários reformados – um juiz, um procurador, um advogado e um estalajadeiro – simulam, como se fosse um jogo, um julgamento no qual vão tecendo a teia em que se enreda um inocente (?) comerciante de tecidos. O génio do grande dramaturgo que foi Dürrenmatt (A Visita da Velha Senhora é a peça mais célebre) vai de par com o enorme talento do escritor (mais do que) policial. Os crimes helvéticos de Dürrenmatt mereciam mais edições em língua portuguesa.

«DN» - 1 Set 06

http://sorumbatico.blogspot.com/2006/09/crimes-helvticos.html

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UMA HISTÓRIA INGLESA
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NUM CLÁSSICO SOBRE FUTEBOL, provavelmente desconhecido entre nós e publicado há já dez anos – The Football Factory, de John King –, o protagonista, Tom, adepto de um Chelsea que ainda nem sonhava com Mourinho, começa por dizer que «o futebol é inteiramente uma questão de ambiente, e se os estádios estivessem vazios, se neles não houvesse tanto barulho, não valeria a pena lá ir». Para ele e para o seu bando de amigos ainda jovens, párias numa sociedade inglesa então em crise, devastada pelo desemprego e o alcoolismo, pouco importava a vitória ou a derrota, mas sim o cenário de violência caracterizado pelas cenas de pancadaria com os adeptos dos clubes rivais e de cacetada com a polícia. Nada que se parecesse com os «brandos costumes» lusitanos.

Mais de duzentas páginas e vários anos depois, Tom confessa que gosta sempre de ver o futebol pela televisão. Não como quando era criança e decorava os nomes das equipas, dos jogadores, dos estádios, mas como um «ritual de sábado à tarde, que tu não podes perceber quando és jovem porque andas lá fora às voltas com os truques da vida». Tom admite que, ao envelhecer, talvez perca os seus ímpetos de violência e sexo, para se contentar com o que lhe dava prazer quando era puto. «História de velhos que entram na segunda infância», diz ele, enquanto vê desfilar os eternos jornalistas especializados, uns a darem palpites válidos, outros a debitarem disparates, enchendo os nossos ouvidos de comentários sobre, por exemplo, a rivalidade entre as duas equipas, mas totalmente incapazes de reproduzir os momentos fortes do jogo que está a ser transmitido.

A televisão apropriou-se do futebol, «mas um tipo médio, que passa o tempo às voltas com o telecomando, de rabo sentado no sofá, só terá direito ao rectângulo de jogo e a três bancadas», lamenta Tom. Um tipo assim «vai malbaratar a vida a fazer zapping, regressando sempre à bola, atraído pelo ruído da multidão e por essa paixão que faz do futebol um desporto à parte». É certo que «os canais de televisão não atribuem qualquer importância aos adeptos, mas sem o barulho, sem o movimento dos espectadores, a bola não seria nada». Porque o futebol «é uma história de paixão» e «a televisão nada poderá contra isso». «Sem a paixão, o futebol está morto. Restam 22 tipos adultos a correrem atrás de uma bola sobre um pedaço de relva». Ora, são as pessoas que fazem do futebol uma festa: «Elas aquecem e tudo levanta voo». Isto é: «Quando tu tens uma paixão, não importa qual, ela transborda». É por vezes o que sucede com o pontapé na bola.

Esta é uma história inglesa, em que, apesar da televisão, os estádios continuam a transbordar de adeptos. Não é uma história portuguesa, em que os estádios, alguns deles novinhos em folha, continuam, regra geral, às moscas. Desolação que já nem consegue ser disfarçada pelas bancadas sarapintadas, estilo trompe-l’oeil, por Tomás Taveira. Cá, só há que esperar mais do mesmo. As eternas escaramuças entre dirigentes de clubes, da Liga e da FPF. O não menos eterno caso do Apito Dourado, cada vez mais ferrugento. O esquisito caso Mateus. Entre outros folhetins do folclore lusitano. Que não matam a esperança numa Liga bem disputada entre os três do costume. Em suma: o trivial
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