terça-feira, 20 de novembro de 2012

Corações de pedra


1 - Em períodos de crise tão profunda e tão grave como esta que estamos a viver, não devemos ignorar as lições da História, por mais excessivas que possam parecer as comparações (que vou fazer) entre figuras e factos actuais e pretéritos. Porque a História pode sempre repetir-se, quer como farsa quer como tragédia.  
Por exemplo, ao ouvir a chanceler Angela Merkel reclamar mais cinco anos de austeridade à Europa em crise, insinuou-se no meu espírito a comparação entre o seu fanático ministro das Finanças, Wolfgang Schäuble, e o general fascista Millán Astray, galego, mutilado de guerra e legionário ao serviço de Franco, que proferiu, em 12 de Outubro de 1936, durante a comemoração do Dia da Raça na Universidade de Salamanca, o grito irracional e obsceno: «Muera la inteligência! Viva la muerte!».
A actual política de sujeição dos países da Europa meridional ao diktat financeiro e orçamental alemão também significa desprezo pela inteligência dos súbditos e uma condenação à morte das respectivas economias.
Outro exemplo que me ocorre é o do primeiro-ministro português, Passos Coelho, cujo ridículo patriotismo de lapela não consegue esconder a germanofilia financeira e orçamental que faz dele uma espécie de «Gauleiter», designação alemã para um chefe provincial que desempenha funções equiparáveis às de um Prefeito ou Governador civil. E escusado seria dizer, mas digo, que o ministro das Finanças português, Vítor Gaspar, outro adepto fanático do neoliberalismo – ou do ordoliberalismo, se quisermos acentuar a sua sujeição à doutrina germânica – está para Passos Coelho como Wolfgang Schäuble para Angela Merkel,
Todos eles são políticos e/ou tecnocratas duros e perversos, com corações de pedra e mentes embotadas, indiferentes ao sofrimento de milhões de europeus cada vez mais empobrecidos pela austeridade brutal que tão detestáveis criaturas preconizam e impõem, mas não praticam.

2 – A expressão «corações de pedra», fui buscá-la ao livro de John Maynard Keynes sobre «As consequências económicas da paz», publicado em 1920, e que é uma devastadora crítica da Conferência de Versalhes e do Tratado que ela produziu, impondo à Alemanha derrotada na Grande Guerra «cláusulas de reparação» terrivelmente punitivas e humilhantes, que era manifestamente impossível cumprir.
Keynes participara na conferência como representante do Tesouro (Ministério das Finanças) britânico, apresentando um plano alternativo bem mais inteligente e razoável do que aquele que acabou por vingar. Por isso demitiu-se e denunciou, no seu livro, o misto de ingenuidade política, boas intenções (Woodrow Wilson, EUA) e espírito de vingança (Clemenceau, França) que se sobrepuseram aos reais interesses «da Humanidade e da civilização europeia».
Como Keynes descreveu metaforicamente numa bela prosa: «De todas as formas, o velho mundo era duro na sua perversidade: o seu coração de pedra teria conseguido embotar a espada afiada do mais bravo cavaleiro errante. Mas o cego e surdo Dom Quixote estava a entrar numa caverna onde a sua rápida e brilhante espada já estava nas mãos dos seus adversários».
Como é sabido, o Tratado de Versalhes provocou enorme ressentimento entre os alemães e produziu terríveis consequências: inflação galopante; pobreza e caos social; ascensão de Hitler ao poder, em 1933; participação da aviação nazi, ao lado dos fascistas (o bombardeamento de Guernica é um terrível símbolo), na Guerra Civil de Espanha (1936-1939); e a eclosão da II Guerra Mundial, que iria devastar a Europa e parte da Ásia e da Oceânia, entre 1939 e 1945.
Há alguns meses, o presidente da Confederação Europeia de Sindicatos enviou uma carta à Comissão Europeia, comparando os juros dos empréstimos da troika, mais os brutais planos de austeridade e privatizações, às «cláusulas de reparação do Tratado de Versalhes», reduzindo os países membros da zona euro sob resgate a «um estatuto quase colonial». Ninguém o ouviu: nem Durão Barroso, nem Merkel, nem Schäuble, nem Gaspar, nem Passos Coelho. Preferiram apostar, perfidamente, na sujeição dos países em crise ao dogma ultra-liberal.

3 – Querem impor aos portugueses, tal como aos gregos, espanhóis, irlandeses, cipriotas, e outros mais, um regime político não previsto nas respectivas Constituições. Esse regime tem um nome: neoliberalismo de Estado de fachada democrática. È que, ao invés do que proclama a sua ideologia, o neoliberalismo está muito longe de implicar o desaparecimento do Estado (no sentido anarquista ou libertário).
Bem pelo contrário, para os fanáticos neoliberais que estão no poder, o Estado tem de desempenhar um papel porventura novo, mas não menos fulcral, que consiste em impor um contexto favorável aos negócios – isto é, às grandes empresas e ao sistema financeiro – tanto interna como externamente, inclusive derrubando pela força regimes e estruturas sócio-económicas tradicionais.
O seu ideário está resumido na fórmula «D-L-P», que significa: i) Desregulação (da economia); ii) Liberalização (do comércio e indústria); iii) Privatização (das empresas do Estado). Há quem já não se lembre dos primeiros «laboratórios» do neoliberalismo: o Chile de Pinochet e dos Chicago Boys; o Brasil da ditadura militar e de Delfim Neto; a Argentina da junta militar e de Domingo Caballo. Longe vá o agoiro!
Keynes prognosticou, com enorme lucidez, as desastrosas consequências de uma austeridade cega e brutal, que provoca a pobreza e o caos social e ameaça destruir o que também ele designava por civilização europeia. A política posta em prática por corações de pedra é, acima de tudo, estúpida e criminosa. É preciso travá-la já!
Infelizmente falta-nos, aqui e na Europa, uma figura com a coragem e a estatura moral e intelectual de Miguel de Unamuno – o reitor da Universidade de Salamanca que condenou in loco o «necrófilo e insensato grito» de Millán Astray – para enfrentarmos os fanáticos do neoliberalismo e do «darwinismo» social que teimam em promover a «selva», destruir o Estado social e fazer regredir a Europa quase 70 anos.

«DN» de 19 de Novembro de 2012                       

sábado, 27 de outubro de 2012

É TEMPO DE DIZER ‘BASTA!’

1 - O PAÍS está à beira de um enorme desastre económico, financeiro e social. Mas o Governo – que há mais de um ano põe em prática sucessivas e brutais políticas de austeridade, nem sequer legitimadas pelos que o elegeram – mantém-se em contínuo estado de negação. E insiste, aumentando a brutalidade dessas políticas que estão a conduzir o País para o abismo.
A proposta de Orçamento do Estado para 2013 é, no mínimo, uma proposta alucinante, que aposta na punição fiscal e salarial da esmagadora maioria dos portugueses, na destruição do que ainda resta da classe média, no sacrifício cruel e desumano dos mais desfavorecidos.
Esta proposta de OE não deve ser aprovada - e, se o for, não pode ser aplicada - sob pena de provocar uma gravíssima ruptura social e uma verdadeira catástrofe económica e financeira.
Por causa da subserviência deste Governo de direita, cuja germanofilia financeira e orçamental brada aos céus, passámos a viver num País submetido ao diktat da Alemanha, às imposições que nos faz a chanceler Ângela Merkel, em vez de optarmos por um caminho alternativo para enfrentar a crise e recuperar, se não a soberania plena, pelo menos a dignidade como Povo.
Vivemos sob um assustador regime de neo-liberalismo de Estado, que só difere de certas ditaduras sul-americanas do século passado, «abençoadas» pelos «Chicago boys», porque mantém a fachada democrática.
É tempo de dizer «basta» ao patriotismo de lapela deste Governo de destruição nacional! É tempo de devolver a palavra ao Povo soberano!

2 - A DECLARAÇÃO final aprovada pelo Congresso Democrático das Alternativas no passado dia 5 de Outubro – que merece ser lida com atenção – é muito clara na identificação do estado em que o País se encontra, em consequência da aplicação do «infeliz e humilhante Memorando de Entendimento assinado com a troika», isto é, com a Comissão Europeia (de Durão Barroso), o BCE e o FMI.
As políticas de austeridade deste Governo assentam cada vez mais na punição dos rendimentos do trabalho, no desmantelamento dos serviços públicos, e na redução do investimento e do consumo. São políticas cegas.
As suas consequências estão a ser devastadoras: recessão profunda; falências de pequenas e médias empresas; desemprego em massa; incapacidade de superar o descontrolo das finanças públicas; aumento da precariedade laboral; crescentes desigualdades e injustiças sociais; economia sem procura; desmembramento da sociedade; emigração; falta de confiança no futuro.
Não podemos assistir indiferentes à devastação de recursos, à desqualificação das pessoas e à falta de um compromisso que gere confiança nos portugueses.

3 - A ESTRATÉGIA inscrita no Memorando da troika está errada desde o início e já todos viram que não consegue produzir os resultados desejados. As metas fixadas são inatingíveis. O fisco e o confisco são vergonhosos. A espiral de endividamento e a pressão sobre o défice são alarmantes.
Urge encarar seriamente a necessidade de renegociar e reestruturar a dívida, sob pena de estarmos condenados, mais cedo do que tarde, ao incumprimento. Mas isso só pode ser feito sem este OE e com outro Governo legitimado pela vontade popular expressa em eleições.
É preciso acabar rapidamente com esta obsessão da austeridade e recusar mais ajustamentos recessivos, que provocam um aumento da dívida a um ritmo que a torna insustentável. Como afirmou recentemente José Castro Caldas, «o peso dos juros é de tal ordem que toda a prestação pública de serviços, nomeadamente a nível de reparação de infra-estruturas, começará a entrar em colapso».
A alternativa é clara: ou nos conformamos com o rumo desastroso deste Governo, que aceitou e acordou com a troika o prolongamento de um intolerável «estado de excepção» cujo fim não se vislumbra; ou poderemos ter de recorrer à suspensão do serviço da dívida, para sobrevivermos enquanto sociedade. 
Torna-se imperioso tomar uma decisão, e essa decisão só pode ser tomada pelo povo soberano em eleições legislativas antecipadas.

4 - ESTÁ PROVADO que o sonho de Sá Carneiro – «uma maioria, um governo e um presidente» (de direita) – se tornou num pesadelo para o Povo português.
A repulsa que este Governo provoca é de tal ordem, que agora há outra direita que contesta esta direita que está no poder – e que até já propõe uma «renegociação honrada» com a troika (Miguel Cadilhe), a realização de eleições em Maio de 2013 (Fernando Ulrich) ou, mesmo, a entrada do PS para um governo de «bloco central» alargado (Jardim Gonçalves). Para já nem falar nos apelos à constituição de um governo tecnocrático de iniciativa presidencial, obviamente ilegítimo.
Trata-se de uma direita que se sente traída pelo brutal aumento de impostos (não foi para isso que ajudaram Passos Coelho a chegar ao poder) e que prefere um corte brutal nas despesas do Estado (ou seja, nos salários, pensões e prestações sociais, na Educação, na Saúde e na Segurança Social).
Esta é uma proposta que o Congresso Democrático das Alternativas considera muito perigosa - e repudia na sua Declaração. E contra a qual se dispõe a lutar com firmeza, nomeadamente, apoiando as diferentes manifestações de protesto democrático e popular, já anunciadas, contra as políticas ruinosas deste Governo, contra a alucinante proposta de OE e contra o diktat da senhora Merkel.
A curto prazo, a melhor alternativa é a denúncia do Memorando, a renegociação e reestruturação da dívida – e isso passa, inevitavelmente, pela constituição de um novo governo saído de eleições.                                              
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Lisboa, 22 de Outubro de 2012
Publicado no «Expresso» de 27 Out 12

sexta-feira, 12 de outubro de 2012

«Quod erat demonstrandum» (Euclides dixit) - O Congresso continua


NO PASSADO dia 5 de Outubro, mais de 1 700 pessoas participaram no Congresso Democrático das Alternativas, que teve lugar na Aula Magna da Universidade de Lisboa.
Depois de um dia de debate e partilha de ideias e valores, os participantes aprovaram a Declaração do Congresso Democrático das Alternativas, na qual se encontram expressas as análises, as propostas e as tarefas prioritárias de uma iniciativa que se propõe juntar forças e assumir a responsabilidade de resgatar o País para um futuro decente.
A versão final do documento, incorporando as alterações introduzidas durante o Congresso, encontra-se disponível aqui: http://www.congressoalternativas.org/p/documentacao.html.
Dando seguimento ao estabelecido na Declaração aprovada e procurando estar à altura das expectativas geradas pelo sucesso de 5 de Outubro, a Comissão Organizadora está a preparar a agenda pós-Congresso, tendo em vista as tarefas prioritárias identificadas, a saber:
1) defender um compromisso comum de convergência por parte das forças políticas democráticas que decidam apresentar-se a eleições, com vista a viabilizar uma governação alternativa em torno de princípios abrangentes e claros, como os sugeridos na Declaração do Congresso;

2) organizar e mobilizar em todo o país os apoiantes do Congresso com vista à divulgação e prosseguimento do debate no espaço público das propostas aprovadas, ao seu enriquecimento e desenvolvimento participativo e à promoção da iniciativa cidadã em defesa das causas e dos objetivos aprovados;

3) consolidar e alargar a base plural de apoio ao Congresso;

4) dialogar com forças políticas, instituições e movimentos sociais, nacionais e internacionais, inspirado pelo propósito de estimular dinâmicas de convergência na ação e de construir denominadores comuns para as necessárias alternativas políticas.
Em breve daremos conta dos próximos desenvolvimentos.
Saudações democráticas,
A Comissão Organizadora
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CONGRESSO DEMOCRÁTICO DAS ALTERNATIVAS
Resgatar Portugal para um Futuro Decente
Sítio na Internet: http://www.congressoalternativas.org/  
Correio eletrónico: congressoalternativas@gmail.com 

quarta-feira, 26 de setembro de 2012

Congresso Democrático das Alternativas

Já abriram as inscrições para o Congresso de 5 de Outubro

Cara/o amiga/o,
Já pode efectuar a sua inscrição para participar no Congresso Democrático das Alternativas, o qual terá lugar no próximo dia 5 de Outubro, na Aula Magna da Universidade de Lisboa (metro: Cidade Universitária).

Por motivos logísticos, a participação no dia 5 de Outubro, com direito de intervenção e de voto, está sujeita a inscrição prévia, a qual pode ser feita através do site do Congresso: http://www.congressoalternativas.org/2012/08/inscricao-no-congresso.html.

Tendo por base os debates preparatórios que tiveram lugar nos últimos dias em vários pontos do país – Viana do Castelo, Braga, Barcelos, Porto, Coimbra, Lisboa, Évora e Faro (estando ainda marcados debates em Viseu e Setúbal) – e as muitas dezenas de contributos escritos enviados para alimentar os debates temáticos (disponíveis aqui: http://www.congressoalternativas.org/p/textos-para-debate.html), a Comissão Organizadora está agora a preparar o projecto de Declaração do Congresso Democrático das Alternativas que será colocado à discussão e votação pelos congressistas no dia 5 de Outubro.

O projecto de Declaração, bem como a proposta de Regulamento do Congresso, serão divulgados a partir do dia 1 de Outubro.

Uma forte presença dos subscritores da Convocatória do Congresso no dia 5 de Outubro é fundamental para o aprofundamento do debate e para afirmação pública desta iniciativa, a qual se propõe contribuir para a construção de alternativas à estratégia de empobrecimento do país inscrita no Memorando de Entendimento e na actual governação.

Contamos com a sua presença!

Pedimos-lhe também a sua colaboração para divulgar a abertura de inscrições para o Congresso, convidando todos aqueles que se possam rever nos propósitos do Congresso a marcar a sua presença no dia 5 de Outubro.

Saudações democráticas,

A Comissão Organizadora

CONGRESSO DEMOCRÁTICO DAS ALTERNATIVAS
Resgatar Portugal para um Futuro Decente
5 de outubro - Aula Magna - Lisboa 

segunda-feira, 17 de setembro de 2012

Um Congresso cada vez mais oportuno e necessário

Caro/a subscritor/a do Congresso Democrático das Alternativas,

Ontem, 15 de Setembro, centenas de milhares de pessoas saíram à rua por todo o país para manifestar a sua indignação com o reforço das medidas de austeridade anunciadas nas últimas semanas. Cada vez mais portugueses e portuguesas concluem que a estratégia inscrita no Memorando de Entendimento, cuja implementação ultrapassou todos os limites do tolerável, é um caminho sem saída.
Manifestar a nossa indignação é uma obrigação democrática. Mas é preciso mais. É preciso ajudar a construir o futuro!
O Congresso Democrático das Alternativas, nos termos do texto que o convoca (que enviamos em anexo), propõe-se mobilizar as energias e identificar os denominadores comuns entre todos os que estão disponíveis para juntar forças e assumir a responsabilidade de resgatar o País.
Contribua para o sucesso do Congresso. Divulgue, colabore, participe (veja como pode fazê-lo no final desta mensagem).

Saudações democráticas,

A Comissão Organizadora


Como pode contribuir para o sucesso do Congresso

1. Envie um email ou contacte pessoalmente aqueles que possam rever-se nos propósitos da iniciativa, convidando-os à subscrição da Convocatória (o que pode ser feito em http://subscrever.congressoalternativas.org) e à participação no processo de construção do Congresso.

2. Divulgue o Congresso, o seu sítio web (http://www.congressoalternativas.org/)  e a página do facebook (http://www.facebook.com/pages/Congresso-Democratico-das-Alternativas/320693794685218) junto dos seus contactos e redes sociais (via email, blogs, Facebook, Twitter, etc.).

3. Imprima cópias da Convocatória (que enviamos em anexo), do cartaz e do folheto do Congresso (disponíveis aqui http://www.congressoalternativas.org/p/materiais.html), colocando-os nos seus locais de trabalho e convívio, e distribuindo-os em todas as situações que lhe pareçam adequadas.

4. Contribua para a elaboração do Projecto de Declaração do Congresso, enviando textos da sua autoria que contribuam para o debate temático nas várias áreas (ver http://www.congressoalternativas.org/p/debates-tematicos.html) ou convidando outros a participarem com as suas ideias e propostas.

5. Contribua, na medida das suas possibilidades, para o suporte financeiro do Congresso, cuja organização depende exclusivamente do trabalho voluntário e do contributo dos seus apoiantes. Os donativos individuais podem ser feitos por transferência para a conta bancária constituída para o efeito com o NIB 0035 0081 00103231 030 49Toda a informação sobre receitas e despesas do Congresso estará disponível do site (em http://www.congressoalternativas.org/p/donativos.html).

6. Marque a sua presença e participe activamente no Congresso no dia 5 de Outubro, que terá lugar durante todo o dia na Aula Magna da Universidade de Lisboa. Por motivos logísticos, a participação no dia 5 de Outubro está sujeita a inscrição prévia através do site do Congresso. O início das inscrições será brevemente anunciado.
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CONGRESSO DEMOCRÁTICO DAS ALTERNATIVAS
Resgatar Portugal para um Futuro Decente
5 de outubro - Aula Magna - Lisboa

quarta-feira, 8 de agosto de 2012

CONTRA UMA EUROPA NEOLIBERAL


1. AS RESPOSTAS às questões de fundo sobre o futuro do euro e da própria União Europeia passam inevitavelmente pela revisão dos tratados em vigor. Não é concebível uma moeda única entre países que estão em constante guerra económica uns contra os outros. Guerra da qual vão saindo vencedores os países mais desenvolvidos, do centro da zona euro (Alemanha, Holanda, Áustria), e vão saindo derrotados os países da periferia, mais vulneráveis e pejorativamente designados PIGS (Portugal, Irlanda, Grécia, Espanha).

A crise do euro resulta, não apenas do colete-de-forças que a moeda única constitui para os Estados membros da zona euro mais dependentes e vulneráveis, mas também da financeirização desenfreada das suas economias, do dumping  fiscal e salarial entre os países membros, da rivalidade constante e desgastante entre esses países para atrair capitais.
Tudo isto se reflecte seriamente no bem-estar das populações, atingidas por cortes brutais na despesa pública (salários, despesas sociais, etc.), por uma flexibilização cada vez maior das leis laborais (com o inevitável aumento do desemprego), por reformas fiscais injustas (que afectam sobretudo os rendimentos do trabalho e favorecem os rendimentos do capital), pelo aumento das taxas de acesso a serviços públicos essenciais (sobretudo da Saúde), pela privatização de empresas públicas estratégicas, e por aí fora.    

2. A UE tem de libertar-se da obsessão neoliberal que consiste em impor aos Estados membros a disciplina dos mercados financeiros, designadamente através das agências de rating  mais poderosas. Não faz qualquer sentido que a indústria financeira desregulada – que provocou a crise e causou os aumentos dramáticos das dívidas e dos défices – seja chamada a financiar os défices que ela própria causou, fazendo exigências insuportáveis e impondo regras draconianas aos países que sofrem as consequências da crise e se encontram em estado de necessidade.
Tanto o Tratado de Maastricht (1992), que instituiu a União Económica e Monetária, como o Tratado de Lisboa (2007), sobre a governação da União Europeia, proíbem que os Estados da zona euro prestem ajuda financeira a um país membro em crise, em virtude de uma cláusula de «não salvamento» («no bail-out») que impede a entreajuda entre países que têm estruturas económicas e sociais e níveis de desenvolvimento muito diferentes.
Por outro lado, os Estados em dificuldades também estão impedidos de recorrer ao Banco Central Europeu (BCE) para financiar os seus défices, o que inevitavelmente os empurra para os braços dos mercados financeiros, que, como disse, os submetem a critérios e exigências demolidores para conceder empréstimos a juros proibitivos. Ora, esta crise veio demonstrar, uma vez mais, que os mercados financeiros (designadamente as agências de rating) não são nem eficientes nem racionais, e é, por isso mesmo, aberrante confiar-lhes a tutela das políticas económicas dos Estados membros.

3. Por tudo isto, é imperioso reclamar a revisão dos tratados em vigor. Para que na zona euro e na UE venham a prevalecer a solidariedade financeira e não a competição desenfreada, a cooperação e a entreajuda e não a guerra económica permanente entre Estados. E também para que o estatuto do Banco Central Europeu seja modificado, responsabilizando-o perante as instâncias democráticas nacionais e europeias, e estatuindo que a missão do BCE e a sua política monetária e de crédito devem dar prioridade à criação de emprego e ao desenvolvimento humano sustentável e duradouro.
Infelizmente, as reformas que têm vindo a ser empreendidas são de mau augúrio: visam perpetuar a tutela dos interesses financeiros sobre as políticas económicas dos Estados membros. O recente Tratado para a Estabilidade, a Coordenação e a Governação institui a famosa «regra de ouro» ou «regra do equilíbrio orçamental», que funciona como um colete-de-forças e coloca os Estados membros sob a tutela da Comissão Europeia e dos juízes do Tribunal de Justiça da UE (em detrimento do Parlamento Europeu). Mais conhecido como Pacto Orçamental, vários economistas já consideram este tratado como um «pacto para a austeridade perpétua», que é imperioso abolir.
           
4. Ora, para combater a sério esta crise tão grave, é mesmo necessário rever os tratados e criar condições que permitam o lançamento de eurobonds, a recapitalização do Banco Europeu de Investimentos, a criação de um fundo de solidariedade para promover o crescimento (como sugeriu Stiglitz em artigo que o «DN» publicou há um mês), além de uma profunda reforma do sistema financeiro e de um controlo eficaz dos movimentos de capitais, sem o que será muito difícil, se não impossível, reduzir as desigualdades sociais.
Trata-se de transformar uma «Europa dos bancos e dos banqueiros, dos empresários e dos patrões» (como dizia Bourdieu) numa Europa dos cidadãos e da soberania popular, que reabilite os valores da democracia e dos direitos humanos, do trabalho e da coesão social, do conhecimento e da cultura. Trata-se de rejeitar o modelo autoritário e tecnocrático que tem vindo a ser imposto pela ortodoxia neoliberal e reabilitar o ideal pluralista e participado da política. Trata-se de provar que há alternativas e que elas fazem todo o sentido.

«DN» de 7 Ago 12

sexta-feira, 20 de julho de 2012

UM «ESQUERDISTA» CHAMADO ÁLVARO

CRITICANDO os presumíveis «esquerdistas» que insistem na necessidade de Portugal renegociar e reestruturar a dívida pública, um famoso sociólogo outrora estalinista e agora ao serviço de um grande merceeiro perguntava, com arrogância e displicência, sentado à mesa quadrada de um debate na televisão: «Renegociar? Mas renegociar o quê?». O sorriso cúmplice dos seus parceiros de mesa confortou o famoso sociólogo na ideia de que tinha acabado de fazer uma pergunta genial e, no mínimo, arrasadora para a canalha esquerdista que por aí prolifera.
E, no entanto, ela move-se – a ideia da necessidade de renegociar a dívida pública. E nem é preciso recorrer a um perigoso esquerdista para a explicar. Basta folhear o capítulo 8 de um «tijolo» de quase seiscentas páginas publicado em Abril de 2011 por Álvaro Santos Pereira, ministro da Economia desde Junho de 2011, intitulado «Portugal na hora da verdade – como vencer a crise nacional».
Para explicar «o caminho tortuoso que temos de percorrer», avisa-nos o famoso autor que, «para que seja sustentável, a dívida pública nacional tem de crescer a um ritmo inferior ao crescimento económico». Ora, «de acordo com os cálculos do FMI, para ser sustentável, a dívida pública nacional exige que as autoridades económicas portuguesas consigam alcançar excedentes orçamentais primários a rondar os 4 % ou 5 % anuais, algo que nunca foi alcançado na era democrática». (Estará o nosso Álvaro a apelar a um novo salazarismo?).
Seja lá como for, explica-nos o consagrado autor que, mesmo recorrendo a «eventuais receitas das privatizações», à «venda de imóveis» do Estado, ou a uma «hipotética venda de parte das reservas de ouro à guarda do Banco de Portugal», «a verdade é que a nossa dívida pública alargada é de tal modo elevada, que é provável que nem assim consigamos pagá-la nas próximas décadas». Ora, «face aos exorbitantes montantes da nossa dívida e ao crescente peso dos juros, é bastante possível que, mais cedo ou mais tarde, um governo português se declare impotente para pagar a totalidade da dívida pública». Ou seja – remata Álvaro – «é muito possível que cheguemos a uma situação em que o Estado português se veja forçado a reestruturar a sua dívida pública junto dos credores internos e externos». Mais: «é igualmente possível, e provavelmente desejável, que essa renegociação seja levada a cabo ao mesmo tempo que uma reestruturação da dívida de outros países europeus». (Leu bem: Álvaro fala claramente em «renegociação»!).
Foi deste modo que um «esquerdista» chamado Álvaro abraçou a famosa tese da «inevitabilidade de uma reestruturação da dívida dos países europeus em dificuldades», defendida por «economistas proeminentes como Kenneth Rogoff, Barry Eichengreen, Nouriel Roubini, entre muitos, muitos outros» - como Álvaro faz questão de sublinhar com veemência. (Os «esquerdistas» são uma praga!).
Como explica o nosso autor: «Esta reestruturação abrangeria não só um reescalonamento da dívida pública nacional (isto é, uma negociação com os nossos credores de maturidades mais longas para as obrigações do Estado), mas também uma diminuição do valor da dívida (os chamados haircuts da dívida). Mais: a fazer-se esta reestruturação da dívida pública nacional, ela devia englobar não só a dívida pública detida pelos estrangeiros, como também a dívida interna, incluindo uma renegociação das próprias parcerias público-privadas (PPP)».
Et voilá! Aqui temos como um «esquerdista» de direita (passe o absurdo) explica o que há para «renegociar» ao famoso sociólogo ex-estalinista da «nova direita» (aselhas, os cristãos-novos da política!). Note-se que o insigne sociólogo é perito em perguntas obscenas e provocatórias, como aquelas que fez, em 10 de Janeiro de 2012, num canal de tv em que se debatia, nada mais nada menos do que, o «racionamento da saúde». Uma: «Intervenções cirúrgicas depois dos 70, dos 80, dos 90… Até onde é que se deve ir?». Outra: «Pagar hemodiálises a pessoas com mais de 70 anos, faz sentido?». Não, não foi Manuela Ferreira Leite quem colocou a questão, foi ele, e ela limitou-se a secundá-lo na crueldade.
Tal como a um cidadão pobre com mais de 70 anos não se deve recusar a hemodiálise, também a um país pobre com mais de 800 anos não se deve recusar uma bóia de salvação quando está a afogar-se. Discute-se se somos miniatura do Titanic ou réplica do Costa Concórdia. Tanto faz, desde que a direita não nos faça adornar e não nos afunde, garantindo salva-vidas apenas aos que tudo têm.

«DN» de 19 Julho 2012  

terça-feira, 5 de junho de 2012

O DIABO ESTÁ NOS DETALHES

UM ANO de governo catastrófico. Política de austeridade a todo o custo lança pelo menos três milhões de portugueses na desgraça: quase metade no desemprego; mais de metade com salários de miséria. Classe média a desmoronar-se cai de bruços nos braços de Dª. Jonet e seu banco alimentar contra a fome. Caridade luta para superar solidariedade e dar cobertura ao desmantelamento do Estado social. Educação, saúde e segurança social seriamente atingidas. Primeira quebra de salários nominais de que há registo em Portugal. Como disse há dias um rotundo deputado do PPD (nem pouco mais ou menos PSD): se excluirmos tudo isto, as políticas do governo têm sido um sucesso estrondoso, como reconhecem Moody’s, troika e quejandos. Economista berlinense admite que fazer cortes em períodos de recessão torna as coisas ainda piores, mas acha que ‘fado’ e ‘melancolia’ fazem dos portugueses povo estóico capaz de recuperar a sua economia. Para ideólogos ultra-liberais da austeridade a todo o custo, sofrimento social dos cidadãos não passa de pormenor. Governo pôs finanças acima de tudo o resto, entregou economia a aprendizes desajeitados e acha que coesão social é detalhe negligenciável. Gaspar, Passos e Relvas são o nosso triângulo das Bermudas e custa-lhes perceber que o diabo está nos detalhes. Diz Clara Ferreira Alves que a Grécia pode vir a ser o Titanic, mas nós seremos o Costa Concórdia (a passar rente à praia para o cozinheiro dizer adeus aos primos). Portugal já começou a adornar, mas nem o comandante Passos nem o ‘chef’ Gaspar deram por isso!

«DN» de 5 Jun 12      

quarta-feira, 28 de março de 2012

terça-feira, 10 de janeiro de 2012

TRABALHADORES INCANSÁVEIS FAZEM PELA VIDA

Por Ludovico Agrícola *

É UMA NOVA raça de homens que costuram a história, a economia e as empresas à medida dos seus interesses pessoais, porque sabem que esses interesses só podem ser os interesses da Pátria e da República, ou seja, de Portugal (tal como os interesses da General Motors eram, há meio século, os interesses dos EUA, só para dar um exemplo edificante).

Quem são esses homens, que tão justificadamente se consideram «trabalhadores incansáveis»? Escolhemos apenas alguns exemplos dessa minoria de iluminados que faz soar bem alto o nome de Portugal.

Desde logo, esse admirável trabalhador corticeiro que é Américo Amorim, porventura o maior de todos. Apesar das grandes dificuldades que enfrenta, num país em crise, para garantir a sua sopinha quotidiana (suspeitamos que recorre à caridade discreta da piedosa Isabel Jonet, trabalhadora incansável do mesmo jaez), Américo continua a batalhar como um verdadeiro herói da classe operária e acaba de comprar um banco no Brasil (que, ao que se sabe, não é propriamente um banco de cozinha). Américo continuará, assim, a flutuar como uma rolha de cortiça.

Vem depois Alexandre Soares dos Santos, o grande merceeiro de Portugal. É outro trabalhador incansável que luta como um danado pelas suas batatas e verduras quotidianas (suspeita-se que também recorre à discretíssima Jonet). Alexandre tem um acendrado amor à Pátria, à República e, claro, às instituições democráticas (embora considere todos os políticos uns safados, com excepção do doutor Barreto dos milagres, que transforma rebuçados em livros, acolitado pelo Fernandes, o maior jornalista português de todos os tempos). Mas o incansável e extremoso Alexandre é também cidadão atento, venerador e obrigado em relação ao patriótico governo encabeçado pelo amoroso Pedro Passos Coelho. Por isso decidiu seguir os incitamentos à emigração produzidos pelo nosso querido primeiro-ministro, pisgando-se, todo ladino e enquanto o diabo esfrega um olho, para os Países Baixos, ou seja, para a Holanda.

Segue-se o inefável Eduardo Catroga, muito conhecido pela fineza do trato e pela subtileza da sua língua de palmo (além da lista de tachos em empresas várias, que acumula com uma pensão porreiríssima, e que lhe servem para arredondar os fins de mês). Pois o nosso bom Eduardo andava por aí aos caídos quando o convidaram para ir supervisionar a EDP do António Mexia, a troco de uns parcos tostões que nem dão para fazer cantar um cego ou transformar rebuçados em livros: 639 mil euros por ano. Uns «pentelhos», dirá ele. Mas Catroga é trabalhador incansável (mais um) e aceitou o sacrifício pelo bem da Pátria e da República e, já agora, da austeridade imposta aos portugueses - para bem dele(s)…

Muito conhecida pelas suas ligações ao sector da energia (que é coisa que não lhe falta, diga-se em abono da verdade), a protuberante Celeste Cardona, trabalhadora incansável oriunda do Largo do Caldas, também vai abichar 57 mil euros por ano (uma ninharia) para trabalhar em part time junto do Catroga, a supervisionar o Mexia. Quando alguém dos jornais se atreveu a questioná-la, a energética Celeste pôs a mão na anca e atirou, toda rouca: «Mal estaríamos se os privados não pudessem fazer escolhas em Portugal». «Ah, fadista!», exclamaram os privados…

Todos estes trabalhadores incansáveis fazem pela vida - e fazem jus aos insistentes apelos à equidade fiscal, social e sacrificial, expelidos pelo nosso tão bondoso Presidente da República, Cavaco Silva. Todos eles o apoiaram nas campanhas para a eleição e reeleição. E pelo menos um deles, o grandessíssimo Eduardo Catroga, provém do círculo selecto e restrito de conselheiros do herói de Boliqueime, quando este era só primeiro-ministro. E quem não se lembra, por exemplo, do buliçoso António Dias Loureiro, afortunado herdeiro de múltiplas heranças, que gosta tanto de fazer a sesta em Cabo Verde? E do excelso banqueiro José Oliveira e Costa, que chegou a dar com os costados na choça e nunca mais é julgado? Estes, para já nem falar de outros trabalhadores incansáveis oriundos da São Caetano à Lapa que continuam a coleccionar marmitas, tachos, cantis e pensões do caraças, só para fugirem à fome e ao desemprego, garantindo o pão que o diabo amassou. E, já agora, as sopinhas…

Gosto muito, confesso, de seguir o percurso destas porreiríssimas e adoráveis criaturas, autêntica tropa fandanga de alto coturno que integra o selectíssimo Clube dos Direitos Adquiridos. Tal é a oportuna designação que foi escolhida para homenagear o famoso empresário Ângelo Correia (avesso aos direitos adquiridos pela populaça, mas não aos que são conquistados por trabalhadores tão incansáveis como ele), mentor do nosso querido primeiro-ministro, Pedro Passos Coelho, o qual também é conhecido como o «Obama de Massamá» e considerado pela excelsa e imparcial jornalista Felícia Cabrita como «um homem invulgar», que agora governa este «país de trapos» endividado até às orelhas. Uma estafa…

Américo, Alexandre, Catroga, Cardona, Coelho, Paulinho, Gaspar & Cia., a mesma luta! P’rá frente camaradas, que para trás mija a burra!
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* Autor de seis crónicas publicadas no «Expresso» em 2011