terça-feira, 18 de setembro de 2007

ENTÃO ISSO DIZ-SE, SENHOR GREENSPAN?

HÁ QUASE CINCO ANOS, em 18 de Janeiro de 2003, dois meses antes da invasão do Iraque, publiquei uma crónica no «Expresso» (do qual ainda era colaborador semanal) intitulada «É o petróleo, estúpido!». Basicamente, chamava a atenção para o relatório do Grupo de Desenvolvimento da Política Energética Nacional dos E. U. A., redigido pelo vice-presidente Richard Cheney e publicado em 17 de Maio de 2001, que propunha a adopção de políticas agressivas capazes de dar resposta à crescente dependência norte-americana do petróleo estrangeiro (a qual atingira 45% do seu consumo total em 1997, trepara para 52% em 2001 e ameaçava chegar aos 66% em 2020). A «recomendação» do vice-presidente Cheney ao presidente Bush era clara: eleger o desenvolvimento das importações de petróleo como «prioridade da sua política comercial e da sua política externa». À beira da guerra, a paráfrase fazia todo o sentido: «É o petróleo, estúpido!».

«Basta olhar para a carta do petróleo e para um mapa geoestratégico do mundo para se perceber porque é que Bush filho prefere atacar o Iraque, de Saddam Hussein, e não a Coreia do Norte, de Kim Jong-Il» - escrevia eu nessa mesma crónica. E a suprema ironia residia no facto de, exactamente ao contrário do Iraque, a Coreia do Norte possuir armas de destruição maciça, mas não possuir um único poço de petróleo. Era, portanto, bastante fácil de perceber porque é que Bush filho e os «falcões» neo-conservadores que o rodeavam queriam à viva força – ou seja, à lei da bomba! – invadir e ocupar o Iraque.
Claro que esta crónica não foi nada bem recebida, nessa altura, pelos «ideólogos bombistas» lusitanos, entusiastas da invasão. Alguns deles já ocupavam quase todos os lugares de direcção dos principais jornais portugueses, outros já preenchiam quase todas as colunas de opinião e, todos eles, apareciam a toda a hora a perorar na televisão. Hoje, já ninguém se recorda, porque a memória colectiva costuma ser curta, mas o predomínio de ex-esquerdistas - antigos marxistas-lenistas, estalinistas e maoístas de trazer por casa, arrependidos e convertidos à ideologia neo-conservadora – era, nessa altura, tão ridículo como impressionante. Entre directores de jornais, professores da Universidade Católica, diplomatas de aviário, especialistas da guerra e «falcões» da política, um ex-esquerdista conseguira mesmo chegar a primeiro-ministro: o inefável José Manuel Durão Barroso.

Alguns deles publicaram, então, livros que, lidos hoje, só podem ser motivo de gargalhada. Mas até um embaixador na moda (esquerdista in illo tempore) se prestou a avalizar tais livros publicamente. Tenho-os em casa e sei do que falo. Só não os cito por mero pudor. Mas não me esqueço do artigo que um ilustre economista, ex-ministro das Finanças do professor Cavaco Silva, publicou nessa altura, em resposta à minha crónica (embora sem me citar). «Não é o petróleo, estúpido!» - escreveu ele, puxando dos seus galões de economista ortodoxo, que acumula todo o saber do mundo e tem por costume prestar vassalagem aos «mandarins» do neo-liberalismo, do FMI e do Banco Mundial.

Imagino o melão com que terá ficado essa beleza de economista ao ler, agora, as afirmações que faz um dos seus ídolos, o senhor Alan Greenspan, acerca da invasão do Iraque. No livro de memórias que acaba de publicar, «The age of turbulence: adventures in a New World», o economista nomeado pelo presidente Reagan que presidiu durante mais de 18 anos à Reserva Federal dos E. U. A., acusa George W. Bush de ter ordenado a invasão do Iraque, em Março de 2003, para controlar o petróleo produzido nesse país. O senhor Alan Greenspan sabe bem do que fala e é bastante claro: «Entristece-me que seja inconveniente reconhecer publicamente o que todo o mundo sabe: que a guerra no Iraque foi basicamente por causa do petróleo». Então isso diz-se, senhor Greenspan?!

Afinal, sempre foi o petróleo, estúpido! O que é uma decepção, não só para o tal economista, mas também para muitos «ideólogos bombistas» que, ainda hoje, passados quase cinco anos de puro terror sobre a invasão do Iraque, são incapazes de reconhecer os erros de avaliação que cometeram e as tristes figuras que fizeram. O que nem é assim tão surpreendente, se pensarmos que, ao invés dos neo-conservadores norte-americanos, os «ideólogos bombistas» lusitanos continuam, todos eles, no poleiro a cantar de galo.
17 de Setembro de 2007
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É O PETRÓLEO, ESTÚPIDO!
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«Expresso» de 18 de Janeiro de 2003
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TANTO OU MAIS IMPORTANTE do que conhecer o já célebre documento que estabelece a nova «Estratégia Nacional de Segurança dos Estados Unidos» - publicado em 20 de Setembro de 2002 pela Administração do presidente George W. Bush - é analisar o não tão famoso relatório do «Grupo de Desenvolvimento da Política Energética Nacional» dos E.U.A. - redigido pelo vice-presidente Richard Cheney e publicado em 17 de Maio de 2001. Pouco propensos a economizar energia e bastante cépticos em relação ao desenvolvimento das chamadas energias renováveis, os E.U.A. deixaram há muito tempo de ser exportadores de petróleo e estão cada vez mais dependentes do petróleo importado, designadamente do Médio Oriente. A dependência norte-americana do petróleo estrangeiro rondava os 45 por cento do seu consumo total em 1997, trepou para 52 por cento em 2001 e prevê-se que vá atingir os 66 por cento em 2020. Daí a urgência de definir uma nova estratégia capaz de dar resposta ao aumento das necessidades de petróleo nos próximos 25 anos. É o que se faz no citado relatório, que «recomenda» à Administração do presidente George W. Bush que eleja o desenvolvimento das importações petrolíferas como «prioridade da sua política comercial e da sua política externa». Por isso se justifica tanto a paráfrase: é o petróleo, estúpido!

Talvez se perceba melhor esta sede insaciável de petróleo, se tivermos em conta que os cidadãos norte-americanos gostam imenso de grandes automóveis e de veículos 4x4 (ou seja, todo-o-terreno) mas consideram absolutamente anormal - mesmo inadmissível - pagar muito mais do que um dólar (mais ou menos um euro) por cada galão de carburante (isto é, por 3,785 litros de gasolina). E nenhum político americano que queira ser eleito se atreverá a contrariá-los. Armas para todos e gasolina barata são emblemas do «american way of life». Se a isto juntarmos os poderosíssimos interesses das indústrias directa ou indirectamente ligadas à produção de todo o tipo de armamentos e os não menos poderosos interesses do «lobby» do petróleo, será bastante mais fácil compreender porque é que «Bush Filho, Dick Cheney & Friends» querem à viva força «libertar» o Iraque e manter tropas no Afeganistão, no Paquistão, nos Balcãs e em outros locais estratégicos dessa vastíssima região do mundo a que eles chamam Eurásia. Mais facilmente se perceberá, também, porque é que Osama Bin Laden e a Al Qaeda fazem, objectivamente, o jogo de Bush Filho e fornecem todos os argumentos de que Donald Rumsfeld e o Pentágono necessitam para operar a «revolução do pensamento militar» que está em curso nos E.U.A., para gáudio do «lobby» texano que os colocou no poder e dos «falcões» e «ideólogos bombistas» que os incitam à guerra.

Basta olhar para a carta do petróleo e para um mapa geoestratégico do mundo para se perceber porque é que Bush Filho prefere atacar o Iraque, de Saddam Hussein, e não a Coreia do Norte, de Kim Jong-Il. Aparentemente, seria mais «justificável» atacar a ditadura sanguinária do «Grande Sol do Século XXI», ou «Sublime Estrela Polar», porque tem armas de destruição maciça e seria bem mais fácil impôr uma democracia, ainda que «musculada», à semelhança do que acontece na Coreia do Sul. O problema é que não cheira a petróleo na Coreia do Norte e a China está mesmo ao pé. No Iraque, pelo contrário, há «ouro negro» a rodos (tem as segundas maiores reservas mundiais), o «Ladrão de Bagdade» está cada vez mais fraco e vulnerável e já não possui armas de destruição maciça. Além disso, o Irão e a Arábia Saudita (com as maiores reservas mundiais do precioso líquido) estão ali bem perto, dentro desse gigantesco «penico» do petróleo onde também cabem o Kuweit, o Bahrein, o Qatar e os Emirados Árabes Unidos. E há, ainda, Israel, sendo certo que Bush Filho deseja obter a todo o custo o apoio e o voto maciço do «lobby» judaico, para ser reeleito em 2004. A hiperpotência vadia depende cada vez mais dos recursos do resto do mundo. Os Estados párias são um bom pretexto para o Império projectar as suas forças. O pior virá depois.