sexta-feira, 5 de dezembro de 2008

Medíocres e mediáticos

A SUBIDA AO PODER de políticos medíocres e mediáticos, durante os últimos quinze anos, é um problema comum à Europa e aos Estados Unidos, que atingiu com particular força Portugal. Até já exportámos um deles para fazer uma triste figura na União Europeia.
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Trata-se de políticos ideologicamente descaracterizados e politicamente untados com a banha mediática (a antiga banha da cobra), cujo único objectivo é fazer carreira a todo o custo e aguentar no poder o tempo suficiente para consolidar contactos e cumplicidades de toda a espécie, tendo em vista «governarem-se» quando deixarem de ser Governo.
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No plano internacional, os casos mais exemplares de oportunismo político compensados pelo poder económico com «tachos» de se lhes tirar o chapéu, são Tony Blair e Gerhard Schroeder, arautos da «Terceira Via» que pôs a social-democracia europeia de rastos. À direita, só o muitíssimo reaccionário José Maria Aznar consegue rivalizar com eles.
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Por cá, como sabemos, só dão cartas os dois partidos que alternam no poder. E os casos mais mediáticos de oportunismo político, económico e social (a cultura não é para aqui chamada) são os dois mais famosos apparatchiks do «bloco central», que controlaram e manipularam os aparelhos do PS e do PSD e ocuparam cargos ministeriais estratégicos o tempo suficiente para consolidarem preciosas agendas de contactos e cumplicidades políticas cruciais que explicam hoje o seu papel de serventuários do poder económico.
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A actual «orgia» da nacionalização dos prejuízos de bancos corruptos ou irresponsáveis, enquanto o povo grama as aflições da crise e a classe média desce aos infernos, dá bem a medida da falta de pudor dos que estão no poder. A ausência de alternativas credíveis dá-lhes a ilusão do poder absoluto. Com arrogância, continuam a desmantelar o Estado com reformas injustas e a fustigar os cidadãos com políticas brutais. Durante quanto tempo mais estes «Catilinas» medíocres e mediáticos abusarão da nossa paciência?!

quinta-feira, 4 de dezembro de 2008

Governo mente descaradamente

A PROPAGANDA GOVERNAMENTAL insiste em que Portugal, comparado com os outros países, não está assim tão mal, porque os outros estão pior. Convém explicar que tal argumento, para além de revelar enorme cinismo e hipocrisia, não corresponde à verdade.
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Se tomarmos como termo de comparação a taxa de desemprego, constataremos que os números não confirmam – pelo contrário, desmentem – a propaganda governamental. É certo que Portugal não é o pior entre os piores, mas é igualmente certo que a maior parte dos países da União Europeia e da OCDE está bem melhor do que o nosso país.
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Entre Dezembro de 2007 e Outubro de 2008, a taxa de desemprego em Portugal subiu apenas (?) 0,1, passando de 7,7 para 7,8. Mas, tomando como referência aquele período, verdadeiramente pior só estão: a Espanha, onde a taxa de desemprego pulou de 8,7 para 12,8 (mais 4,1); a França, onde subiu de 7,7 para 8,2 (mais 0,5); e a Hungria, onde subiu de 8,0 para 8,1 (mais 0,1). Três taxas de desemprego mais altas do que a nossa.
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Todavia, são vários os países em que, apesar do aumento do desemprego durante aquele período, a respectiva taxa continua a ser inferior à nossa. Casos da Irlanda, onde subiu de 4,7 para 7,1 (mais 2,4); da Suécia, onde subiu de 5,9 para 6,6 (mais 0,7); do Reino Unido, onde subiu de 5,1 para 5,8 (mais 0,7); da Itália, onde subiu de 6,3 para 6,8 (mais 0,5); do Luxemburgo, onde subiu de 4,0 para 4,2 (mais 0,2); e da Noruega, onde subiu de 1,6 para 1,8 (mais 0,2). Melhor do que estes é que não estamos certamente.
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E bem melhor do que Portugal estão outros países onde a taxa de desemprego, em vez de aumentar, diminuiu durante o mesmo período. A saber: na Finlândia, baixou de 6,5 para 6,4 (menos 0,1); na Dinamarca, baixou de 3,4 para 3,2 (menos 0,2); na Suíça, baixou de 2,8 para 2,5 (menos 0,3); na Republica Checa, baixou de 4,7 para 4,4 (menos 0,3); na Holanda, baixou de 2,9 para 2,5 (menos 0,4); na Bélgica, baixou de 7,0 para 6,6 (menos 0,4); na Alemanha, baixou de 7,7 para 7,1 (menos 0,6); na Grécia, baixou de 8,0 para 7,2 (menos 0,8), na Áustria, baixou de 4,0 para 3,0 (menos 1,0); na Polónia, baixou de 8,3 para 6,4 (menos 1,9). E até na Eslováquia, onde o nível de desemprego é muito elevado, a respectiva taxa baixou de 10,4, para 10,0 (menos 0,4).
Já agora, convirá referir o que se passou, em matéria de desemprego, durante o mesmo período, em outros países não europeus membros da OCDE: nos Estados Unidos, a taxa de desemprego subiu de 5,0 para 6,5 (mais 1,5); na Nova Zelândia, subiu de 2,8 para 4,2 (mais 1,4); no Canadá, subiu de 6,0 para 6,2 (mais 0,2); na Austrália, subiu de 4,2 para 4,3 (mais 0,1). Já na Coreia do Sul, não subiu nem desceu, mantendo-se a taxa de desemprego nos 3,1; e no Japão desceu de 3,8 para 3,7 (menos 0,1).
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Perante este quadro geral de taxas desemprego da OCDE, percebemos que a propaganda do Governo é uma aldrabice. Tira partido da compreensível ignorância dos cidadãos em relação às estatísticas, para manipulá-las. De facto, se compararmos o nosso mal com o mal dos outros, estamos pior – e não melhor. O Governo mente descaradamente.

VI PAULO PORTAS NA TVI, sexta-feira passada, e fiquei impressionado com a forma como arrasou o Governador do Banco de Portugal, com documentos avassaladores e argumentos demolidores.

Em qualquer outro país democrático civilizado, um Governador do Banco Central não teria resistido a acusações tão bem fundamentadas e, por uma questão de decência, ter-se-ia demitido no dia seguinte.

Mas este País é o que é, o Governador goza da protecção do ministro das Finanças (aliás, tão incompetente como ele) e a ambos o Primeiro-Ministro põe-lhes a mão por baixo (como deus faz ao menino e ao borracho).

Curiosamente, o presidente do CDS/PP, Paulo Portas, é, neste momento, o único político de direita que dá sinal de vida e o único dirigente partidário que demonstra que a direita ainda mexe. O PPD/PSD, coitado, continua a pairar no vazio do discurso político incoerente, insensato e sem sentido da sua pobre presidente, Manuela Ferreira Leite.

terça-feira, 2 de dezembro de 2008

Literacia financeira

A chave da crise do subprime numa peça inteligente do melhor humor britânico… A não perder.

domingo, 30 de novembro de 2008

Perguntas assassinas

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[Ver NOTA]
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UM DIA DESTES as pessoas não aguentam mais. Tantos sacrifícios infligidos àqueles que pouco ou nada têm – a esmagadora maioria – são insuportáveis. E tanto zelo a proteger os que tudo têm – a escandalosa minoria – é intolerável. Qualquer dia vai tudo raso!
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Os cidadãos anónimos começarão a fazer – em público e em coro – perguntas assassinas a um governo de maioria absoluta, que de socialista só tem o nome, e que, na prática, só protege os senhores do dinheiro, sacrificando os que apenas vivem do seu trabalho.
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Poderão dizer que é demagogia, mas faz todo o sentido perguntar porque é que seria tão prejudicial para a imagem deste país deixar falir o BPP, um minúsculo e ridículo banco que apenas gere fortunas dos muito ricos – especulando sem freio na bolsa – e já não é prejudicial para essa imagem deixar que fechem as portas dezenas de empresas que nem sequer faliram – algumas fecham tão-só para reduzir os custos das multinacionais – e que, assim, lançam no desemprego e na pobreza vários milhares de trabalhadores?!
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Mais: porque é que o Estado saca do dinheiro dos contribuintes para proteger o BPN, banco de vigaristas de alto coturno afogado em burlas de toda a espécie, como se fosse bom para a imagem do país salvar a face de uma instituição corrupta que tem enchido os bolsos de alguns dos mais indignos representantes do chamado «bloco central»?!
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Há limites de tolerância para tão flagrantes injustiças e tanto escândalo. Será que ainda não perceberam que o «capitalismo de compinchas» é uma vergonha e está a ruir?
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NOTA: Será premiado, com um exemplar deste clássico da literatura policial, o autor do melhor comentário que seja feito a esta crónica até às 20h da próxima quinta-feira, dia 4 Dez 08. Dado que, como sempre, o texto será igualmente afixado no Sorumbático, serão tidos em conta, também, os comentários que lá forem feitos.

quinta-feira, 27 de novembro de 2008

Manuela a estrebuchar no vazio

A DOUTORA MANUELA FERREIRA LEITE continua a estrebuchar no vazio de ideias políticas, ideológicas e programáticas que a caracteriza. Nem sequer tem a decência de fazer jus ao nome do partido que ainda dirige – partido social-democrata – e continua a arremeter cegamente contra tudo o que é investimento público, mais do que nunca indispensável para relançar o emprego e reanimar a economia tão vergastada pelo combate ao défice.
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O pior cego é aquele que não quer ver. Será que ela ainda não viu que o neoliberalismo foi chão que deu uvas?! A presidente do PSD afoga-se no seu próprio discurso político. Porventura à espera que, das profundezas do seu próprio partido, surja alguém que lhe vibre a última machadada. Se não for ela própria a vibrá-la num desesperado acto de masoquismo político. Não seria a primeira vez que um líder do PSD faria «harakiri»…

Ladram os cães de Pavlov…

HÁ CRÍTICOS cuja insolência e mediocridade não merecem resposta. Mas ficaria de mal com a minha consciência se não afirmasse que só um imbecil é capaz de proclamar que não leu, ou leu mal, um texto que se atreve a criticar com um palavreado idiota.
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Diga-se igualmente que não é só nas fileiras da esquerda totalitária que deparamos com reflexos políticos condicionados. Nas hostes da direita mais reaccionária e mais estúpida do mundo, os cães de Pavlov também salivam e ladram quando ouvem tocar a sineta da livre crítica, se esta se dirige aos seus ícones favoritos ou aos seus egrégios avós.
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Não respondo a insultos e ofensas pessoais. São filhos da falta de argumentos de quem os profere. Mas sempre direi a essas criaturas que a teoria da conspiração, a mania da perseguição e o complexo do cerco não servem para alterar a verdade dos factos.
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Ora, é um facto que o doutor Dias Loureiro foi um dos colaboradores mais próximos do professor Cavaco Silva, no PSD e no Governo. É um facto que o doutor Dias Loureiro é um dos cinco conselheiros de Estado designados pelo actual Presidente da República. É um facto que o doutor Dias Loureiro tem andado a fazer em público uma triste figura. É um facto que a triste figura que ele anda a fazer incomoda muito o Chefe do Estado.
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Isto são factos do domínio público, e não insinuações urdidas por conspiradores que só querem o mal da Pátria, da República e do professor Cavaco Silva. O Chefe do Estado não pode ser julgado pelos amigos que tem, mas tem a obrigação de os pôr na ordem e demarcar-se deles quando fazem em público tristes figuras. Sejam eles o doutor Alberto João Jardim, presidente do Governo Regional da Madeira e líder do PSD na Região, ou o doutor Manuel Dias Loureiro, conselheiro de Estado e ex-secretário-geral do PSD.
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Em democracia, ninguém está acima de qualquer crítica ou de qualquer suspeita. Nem mesmo o Chefe do Estado, seja ele quem for. O professor Cavaco não é uma flor de estufa. E o doutor Dias Loureiro não é flor que se cheire. Bem podem os seus apoiantes mais caninos desfazer-se em insultos. Os cães de Pavlov ladram e a caravana passa.

quarta-feira, 26 de novembro de 2008

Resíduos tóxicos do cavaquismo

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O CAVAQUISMO EXISTIU, durante dez anos (1985-1995), e alguns dos seus resíduos mais tóxicos ainda hoje infectam a paisagem política portuguesa. Para quem já se esquecera dos escândalos que então rebentavam semanalmente nas primeiras páginas dos jornais, aí estão mais alguns exemplos edificantes que ajudam a refrescar a memória.
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Sempre pensei que o cavaquismo era assim uma espécie de salazarismo democrático, em que o seu mentor era um poço de virtudes morais, o seu aparelho político um saco de gatos e boa parte dos seus apoiantes mais firmes e mais ilustres uma cambada de oportunistas e arrivistas em busca de sucesso material rápido e a qualquer preço.
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A rigidez autoritária do poço de virtudes morais sufocou o espírito crítico e deu asas ao negocismo infrene como emblema de progresso, afinal efémero e ilusório. A verdade é que o «monstro» nasceu e começou a alimentar-se no seio do cavaquismo e que a «má moeda» prosperou no interior das suas hostes. A memória do povo é que é curta.
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Os resíduos tóxicos do cavaquismo perduram. E contaminam todo o «bloco central». Os interesses sobrepuseram-se às ideias e aos programas abrindo a via ao pragmatismo sem princípios e à política sem alma. Nos dois pólos do «bloco central», Belém e São Bento, vicejam os eucaliptos que criam o deserto à sua volta. Por isso não espanta que Manuel Dias Loureiro e Jorge Coelho sejam uma espécie de expoentes do sucesso da coisa.
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NOTA: Esta e outras crónicas do autor estão também no blogue Sorumbático.

domingo, 23 de novembro de 2008

«Berlusconis» lusitanos

SE AS VERDADES POLÍTICAS são como as carecas, então poderá dizer-se que alguns barões predadores da democracia portuguesa estão a ficar com as suas fortunas ao léu.
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Como é que eles conseguiram acumular tão rapidamente pés-de-meia tão grandes, se não à custa dos seus contactos políticos e de um escandaloso tráfico de influências?!
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Guardadas as devidas proporções, seguiram o exemplo de Berlusconi, o barão predador italiano que singrou na politiquice e nas negociatas graças à extraordinária habilidade de vendedor de carros em segunda mão e ao charme de cançonetista de cruzeiro estival.
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Como explicou há um século o grande economista americano Thorstein Veblen, estes barões predadores constituem uma «classe ociosa» que não hesita perante a mentira, a fraude, a falsificação, a manipulação e a corrupção, para acumular lucros especulativos e riquezas improdutivas. A sua divisa é o lema de Ivan Boesky, um dos mais célebres vigaristas a singrar em Wall Street: «Greed is good» («A ganância é uma coisa boa»)!
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O problema é que, como diz o escritor italiano Andrea Camilleri, Berlusconi «limita-se a interpretar perfeitamente o mau humor e o mal-estar das pessoas» e a convencê-las de que, qualquer dia, também podem vir a ser como ele. Em suma, parafraseando Veblen, o que as pessoas desejam é imitar os «Berlusconis» de trazer por casa, numa irresistível atracção pelo exibicionismo, o narcisismo e a afectação típicos da «classe ociosa».
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Ainda há dias vimos um Berlusconi lusitano a tentar justificar em público a sua fortuna, com a arrogância, a displicência e o sentimento de impunidade típicos de um arrivista. Não hesitou em contradizer-se e em mentir. Só lhe faltou cantar o «Only You»!

quarta-feira, 19 de novembro de 2008

MFL e a "graça pesada'’

Diz-se agora que a inefável presidente do PSD quis ser irónica. E eu, cheio de boa vontade, acredito. Mas a verdade é que Manuela Ferreira Leite não tem jeito nenhum para ironias e acabou por fazer aquilo a que se chama ‘graça pesada’, isto é, uma ‘graçola’ que quase toda a gente leva a sério e que tem, por isso mesmo, pesadas consequências – políticas, neste caso. Convém saber que, inclusivamente, no Direito Penal, a ‘graça pesada’ pode ser severamente sancionada se der origem a um crime contra a propriedade ou contra pessoas. Em suma: pobre senhora, que não tem mesmo jeito nenhum para a política!

…e não se pode exterminá-los?

COMO SE JÁ NÃO BASTASSE o portuguesíssimo doutor Durão Barroso ser apontado a dedo como um presidente da Comissão Europeia «incompetente, inócuo e subserviente», vem agora o «Financial Times» proclamar que o portuguesíssimo doutor Fernando Teixeira dos Santos é o pior ministro das Finanças entre 19 países da União Europeia, com uma péssima «performance» política e um mau desempenho ao nível macroeconómico.
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Como não há duas desgraças sem três, a lusitaníssima doutora Manuela Ferreira Leite, inefável presidente do PSD, achou por bem confessar em público que «não acredita em reformas quando se está em democracia», acrescentando, para que não subsista qualquer dúvida: «E até nem sei se a certa altura não seria bom haver seis meses sem democracia, mete-se tudo na ordem e depois então venha a democracia». Assim, sem pestanejar!

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Tanta desgraça e tanto disparate juntos, que nem o patriotismo mais pacóvio pode iludir, seriam motivo para rir se não fosse a vontade de chorar. Infelizmente, no ambiente geral de mediocridade que caracteriza a classe política dominante, ninguém se atreve a propor a remoção daquelas três criaturas dos altos cargos políticos que tão mal desempenham. Caso para perguntar, parafraseando Karl Valentin: «…E não se pode exterminá-los?».

terça-feira, 18 de novembro de 2008

Durão não desgruda

MÁS NOTÍCIAS para o futuro da União Europeia: os partidos de direita integrados no PPE (Partido Popular Europeu) ameaçam reconduzir José Manuel Durão Barroso no cargo de presidente da Comissão Europeia. Porventura com a honrosa excepção de Ângela Merkel, quase todos os dirigentes da direita europeia acham, como no velho e famoso anúncio da prevenção rodoviária, que «connosco o miúdo vai sempre atrás».
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Infelizmente para o patriotismo bacoco dos «tugas» que nos governam, entre os quais se inclui o primeiro-ministro «socialista mas pouco» José Sócrates, a recondução de Durão Barroso será mais um sintoma de degradação e um sinal de decadência da UE. Ele é um símbolo vivo do pragmatismo sem princípios, sem ideias e sem ideais, que caracteriza esta geração de políticos europeus no poder. E é um dos exemplos mais flagrantes do oportunismo, da mediocridade e da incompetência na condução dos negócios públicos, tanto a nível interno (foi mau primeiro-ministro) como a nível supranacional.
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Não são poucas as vozes que criticam o presidente da Comissão Europeia pela «falta de liderança, timidez e incompetência» na gestão desta grave crise económica e financeira. «O presidente incompetente da CE», como lhe chama sem pestanejar Joschcka Fischer, anseia por que lhe renovem o mandato graças à «inocuidade» e à «subserviência» que demonstra em relação aos seus «patrões» políticos. Para tanto, não hesitou em assumir o papel de «chevalier servant» de Nicholas Sarkozy, durante a presidência francesa ainda em curso, revelando total «inaptidão» para dar voz própria à Comissão Europeia.
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É bom não esquecer que foram precisamente estas razões que levaram a direita europeia a escolhê-lo para o cargo, há cinco anos, porque não havia mais ninguém que aceitasse tal papel. E foi escolhido, note-se, depois de ter sofrido, em Portugal, uma esmagadora derrota nas eleições europeias (contra Ferro Rodrigues, sublinhe-se). Aproveitou, então, para se pôr ao fresco, dando o dito por não-dito. É hoje o único sobrevivente político da ignominiosa cimeira dos Açores, que ratificou a invasão do Iraque. Tony Blair e Aznar foram à vida (e que rica vida!). Bush júnior já está com os «patins». Só o nosso inefável Durão não desgruda. Está agarrado ao tacho como lapa à rocha. Uma vergonha!

sexta-feira, 14 de novembro de 2008

Paranóias políticas

SE OBSERVARMOS COM ATENÇÃO certos políticos que exercem o poder, verificamos que eles têm uma tendência patológica para sobrevalorizar as suas próprias qualidades, tendência essa que se traduz na mania das grandezas e numa ambição pessoal desmedida.
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A megalomania – assim se designa tal tendência – conduz, regra geral, à interpretação errónea da realidade em consequência da susceptibilidade aguda do político, que acaba por se traduzir numa desconfiança extrema que pode chegar ao delírio persecutório.
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Verifica-se, em suma, uma concentração patológica do político sobre si próprio, que se caracteriza, ao mesmo tempo, por um subjectivismo delirante e um alheamento do real. Este ensimesmamento, a que se chama autismo, acaba por desviar o político daquilo que o senso comum considera correcto e razoável, e leva-o mesmo a experimentar satisfação na prática de comportamentos estranhos, em que avultam a crueldade e a dissimulação.
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Se quisermos aplicar à actualidade política portuguesa, continental e insular, esta grelha de perturbações mentais – na qual se entrecruzam megalomania, paranóia, autismo e perversidade – facilmente concluiremos que não serão assim tão poucos os políticos lusitanos cujos comportamentos paranóides os situam na antecâmara do manicómio.

domingo, 9 de novembro de 2008

Bafio antidemocrático

O PROBLEMA desta ministra da Educação, para além do óbvio autismo que a imobiliza e a suspende no tempo, é o seu profundo desprezo pelos professores, pelos sindicatos, pelos partidos políticos e pelo debate democrático. Em suma: por todos os que a contestam.
Quem a viu, ontem, nas televisões, a chispar ódio, a vomitar ressentimento e a destilar rancor por todos os poros, percebeu sem dificuldade que há nela algo de salazarento, como que um cheiro a bafio antidemocrático que nos faz recuar várias décadas, até ao tempo da outra senhora, em que prevalecia a ditadura do «quero, posso e mando».
O engº Sócrates que se ponha a pau. A manifesta incompetência política da drª Manuela Ferreira Leite é uma coisa, que pode favorecê-lo eleitoralmente. Outra, bem diferente, é a intolerável prepotência política da drª Maria de Lurdes Rodrigues, que pode estragar-lhe os cálculos eleitorais e, sobretudo, tramar o PS, lançando-o pelas ruas da amargura.
NOTA: Esta e outras crónicas do autor estão também no blogue Sorumbático.

sexta-feira, 7 de novembro de 2008

Cavaco dará cavaco?

TÃO EXIGENTE E INFLEXÍVEL em relação às alterações introduzidas no Estatuto da Região Autónoma dos Açores que, segundo ele, alteram os poderes do Presidente da República tal como estão definidos na Constituição, veremos se o actual inquilino do Palácio de Belém dá cavaco a todos aqueles que reclamam a sua intervenção para pôr cobro aos desmandos do PSD madeirense e repor a legalidade democrática e constitucional na Região Autónoma da Madeira.
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Ninguém duvide de que o que está em causa, na Região Autónoma da Madeira, é «o regular funcionamento das instituições democráticas», de que o Presidente da República é o garante, nos termos do artigo 120.º da Constituição. Sendo certo que a necessidade de garantir o regular funcionamento da Assembleia Legislativa Regional da Madeira pode implicar a sua dissolução pelo Presidente da República.
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Tão afoito e desenvolto no caso do Estatuto dos Açores (em que lhe assiste, sem dúvida, alguma razão), veremos se o Presidente da República quebra a sua proverbial timidez sempre que é confrontado com os desmandos antidemocráticos praticados pelo King Kong do Funchal e pelo exército de símios que o macaqueiam.
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São raros, num mandato presidencial, os momentos críticos que põem verdadeiramente à prova o titular do cargo, testando a sua firmeza, a sua imparcialidade e a sua coragem políticas. Este caso da Madeira é um deles. Veremos como o Presidente da República se comporta. Dar ou não dar cavaco, eis a questão…

terça-feira, 4 de novembro de 2008

FILHOS DO «BLOCO CENTRAL»…

FORAM AMBOS, NOS RESPECTIVOS PARTIDOS, responsáveis pela organização, com o controlo total dos aparelhos partidários – e quem conhece bem esses partidos por dentro sabe o que é que isso significa, em termos de poder e influência, a todos os níveis…
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Foram ambos ministros. Um deles, terá mesmo chegado a telefonar à progenitora para lhe anunciar: «Mãe, sou ministro!». O outro, foi a um programa de humor bastante duvidoso fazer uma figura ridícula, desfigurando a bela canção «Only you»…
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Ambos fizeram das suas carreiras político-partidárias e dos seus cargos governamentais os trampolins de onde saltaram para o sector privado das empresas e dos negócios…
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Um, enriqueceu rapidamente e chegou a estar ligado, entre outros negócios e empresas, a um banco que está agora à beira da falência e em vias de ser nacionalizado…
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O outro, é administrador executivo (CEO) do maior potentado português da construção civil e obras públicas, proprietário da empresa que detém a «concessão» do terminal de carga do porto de Lisboa, em «boa hora» renovada por muitos anos e bons…
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São almas gémeas, filhos queridos do «bloco central» de interesses que nos governa. Um, pontificou no PSD e não se lhe conhecem outros antecedentes políticos. O outro, no PS, onde caiu de pára-quedas depois de passar pela UDP e por Macau. Bons rapazes, inteligências fulgurantes, golpes de vista geniais – e a fortuna sorriu-lhes…
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O «fim das ideologias» é com eles! As suas carreiras edificantes são exemplos para uma juventude que ambicione enveredar pela política – no PSD ou no PS, tanto faz! – para, a seguir, dar o salto para o mundo do negocismo infrene e do enriquecimento fácil…
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Não será difícil adivinhar o lema que os guiou: «Loureiro & Coelho, a mesma luta!»…

sábado, 1 de novembro de 2008

SÓCRATES E A BANHA DA COBRA


Por Alfredo Barroso
SINTO-ME ENVERGONHADO ao ver o primeiro-ministro do meu país a desempenhar o papel de vendedor de banha da cobra numa cimeira de chefes de Estado e de Governo. De cada vez que a cena passa na televisão, sinto vontade de me enfiar num buraco. A cena revela falta de sentido de Estado, falta de bom senso e falta de vergonha.
Não é verdade que – como ele diz – o computador «Magalhães» seja um produto genuinamente português e, ainda menos, ibero-americano. Mas, mesmo que o fosse, um mínimo de pudor deveria ter impedido o primeiro-ministro de vestir a pele de um vulgar promotor de vendas de um produto comercial que está bem longe da excelência.
Para o engenheiro José Sócrates, a ausência de oposição à altura e de alternativa credível, em Portugal, convenceu-o de que tudo lhe é permitido aquém e além-mar – por cá, na Europa e na América Latina – sem medo de que o ridículo dê cabo dele.
De facto, não há situação mais lamentável do que aquela em que se encontra o PSD. Num país de comentadores «politicamente correctos», ainda não apareceu quem tenha coragem de apontar a dedo as medíocres prestações políticas da doutora Manuela Ferreira Leite, fazendo como o miúdo daquela velha história d’ «O Rei vai nu».
No fundo, o engenheiro Sócrates é como o computador «Magalhães»: está longe da excelência e não é genuíno, mas podem atirá-lo ao chão que ele nunca se parte.
NOTA: Esta e outras crónicas do autor estão também no seu blogue Traço Grosso.

sexta-feira, 31 de outubro de 2008

OS RATOS A COMER O QUEIJO

HÁ POUCOS DIAS, no acto público de lançamento de um livro sobre «A corrupção e os portugueses» (da autoria de dois professores do ISCTE, Luís de Sousa e João Triães) a procuradora-geral adjunta Maria José Morgado (autora do prefácio) afirmou que não existe uma estratégia de combate à corrupção em Portugal e defendeu a criação de um sistema integrado de prevenção deste fenómeno, designadamente a constituição de uma base de dados única, sem o que não será possível tornar mais eficaz o combate à corrupção, de modo a permitir «apanhar o rato enquanto come o queijo».
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A metáfora não podia ser mais oportuna, tendo em vista o surpreendente «lapso» que terá sido cometido por alguém, ainda não identificado, que decidiu introduzir na proposta de Orçamento de Estado para 2009 uma alteração à lei de financiamento dos partidos, que tornaria outra vez possível os donativos privados em dinheiro vivo, e não apenas, como agora sucede, através de cheques ou transferências bancárias.
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A marosca foi detectada pelo Diário Económico, mas o certo é que, até agora, ainda não foi possível identificar o rato que queria comer o queijo. Para grande espanto do estimável público, nem o primeiro-ministro nem o ministro das Finanças, principais responsáveis pela proposta de OE, conseguiram descobrir quem foi o ‘safardana’ que, segundo eles, cometeu este mero ‘lapso’ comendo-lhes ‘as papas na cabeça’.
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Curiosamente, também há poucos dias, o presidente da Entidade das Contas e Financiamentos Políticos, Miguel Fernandes, admitiu publicamente que este organismo não tem capacidade para controlar a corrupção associada aos donativos, acrescentando que só a alteração da legislação em vigor permitiria uma fiscalização eficaz das contas dos partidos. Queixume que caiu no ‘saco roto’ do inevitável dr. Vitalino Canas, porta-voz do PS, que mandou Miguel Fernandes ‘bugiar’, reclamando dele «maior eficácia, menos queixas e mais trabalho» – para gáudio dos ratos que comem o queijo.
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Como isto anda tudo ligado, convém salientar que a directora do Departamento Central de Investigação e Acção Penal, Cândida Almeida, também alertou, há poucos dias, para o regresso da corrupção «à moda de Al Capone», recordando as «prendas» que o famoso gangster de Chicago oferecia aos agentes da autoridade, e afirmando que «faltou coragem», na recente reforma penal, para combater a corrupção. Em suma: podem os ratos estar descansados que ninguém vai apanhá-los a comer o queijo.

quinta-feira, 30 de outubro de 2008

MAGOS DA MATEMÁTICA

A ESPECTACULAR E FULGURANTE subida das notas positivas nos exames, sobretudo de Matemática, tanto no ensino básico como no secundário, é comparável a um fenómeno do Entroncamento, só possível em Portugal.
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Em 2008, nada menos do que 1.052 escolas básicas conseguiram aquilo que, em 2007, só 222 tinham conseguido. De 83 por cento de ‘chumbos’ em 2007 desceu-se para 26 por cento em 2008. Estamos perante um esforço titânico de aprendizagem ou um caso de pura magia estatístico-política?!
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Estes resultados seriam motivo de grande regozijo, se não pesasse sobre eles a suspeita de ter havido uma acentuada diminuição do nível de exigência nos exames (não apenas de Matemática) para melhorar substancialmente as estatísticas em ano eleitoral. O nacional-porreirismo está em marcha!
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Assim, o parecer do Conselho Nacional da Educação a sugerir que os ‘chumbos’ sejam abolidos nem precisa de ser adoptado pelo Ministério. Basta ‘servir’ exames por medida a todos os cábulas, transformando-os em magos da Matemática. Exulta a Ministra e regozijam-se os paizinhos. Perdem os meninos e perde o País.
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É irresistível a comparação com aquilo que se passa no futebol português. Diz-se que a Liga Sagres está mais ‘competitiva’. Mas isso deve-se, infelizmente, à acentuada diminuição da qualidade das equipas chamadas ‘grandes’ e não, propriamente, ao facto de as equipas ‘pequenas’ e ‘médias’ terem subido de nível.
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Matemática e futebol em Portugal, a mesma luta? Pelo menos é o que parece!

quarta-feira, 8 de outubro de 2008

«O Capitalismo Total» - Prefácio

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O CAPITALISMO TOTAL é a expressão do domínio absoluto do capitalismo financeiro sobre a economia real, a sociedade civil e o Estado, obedecendo a um único propósito, que se sobrepõe a todos os outros: o enriquecimento dos accionistas e dos gestores que os servem, segundo normas de rentabilidade excessivas e, a prazo, insustentáveis.
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Assim como «as árvores nunca crescem até ao céu», também não se vê como os mercados bolsistas poderão continuar a crescer a taxas quatro a cinco vezes superiores às taxas de crescimento anuais das economias ocidentais. Como salienta o autor deste livro, se tal acontecesse, «os lucros tomariam conta, pouco a pouco, de todos os lugares disponíveis para não deixarem nenhum aos rendimentos do trabalho». Ou seja, «a prazo, o capital seria o único factor de produção a ser remunerado». O que seria absurdo.
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Os efeitos do capitalismo financeiro, motor de uma globalização sem regras, sem freios e sem contrapoderes dignos desse nome, são devastadores: total desvalorização, fragmentação e precarização do trabalho; diminuição progressiva do poder de compra dos salários; deslocalizações, subinvestimento e desemprego; fusões e concentrações, sem outro critério que não seja o do aumento da rentabilidade através da diminuição dos encargos sociais; desmantelamento dos serviços públicos e dilapidação do Estado.
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Como a crise actual tem vindo a demonstrar, a especulação, que está na base do capitalismo financeiro, é comparável a uma bomba de fragmentação, a uma nova arma de destruição maciça que atinge, em diferentes graus, toda a gente sem distinção; tanto os países pobres como os desenvolvidos; tanto as classes sociais mais desfavorecidas como as classes médias, cujo poder de compra continua a declinar perigosamente.
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Tal como previa e temia o grande economista norte-americano Thorstein Veblen faz agora cem anos (1908), ao salientar os desajustamentos entre a produção industrial e a especulação financeira, o capital industrial acabou por ser absorvido e dominado pelo capital financeiro. É este que, na era da globalização, comanda a economia real e dita as suas leis ao mercado, à política, ao Estado-nação e a cada cidadão esquizofrenicamente dividido entre os papéis de consumidor, de trabalhador e, às vezes, de accionista.
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O autor deste livro, antigo banqueiro e gestor de grandes empresas, explica-nos com bastante clareza que o capitalismo moderno está organizado como uma gigantesca sociedade anónima, uma sociedade de proprietários igualmente anónimos. Na sua base, cerca de 300 milhões de accionistas, 90 % dos quais concentrados na América do Norte, na Europa Ocidental e no Japão, controlam a quase totalidade da capitalização bolsista mundial. Regra geral de meia idade, com formação superior e um nível de rendimentos elevado, esses accionistas anónimos confiam cerca de metade dos haveres financeiros que possuem a várias dezenas de milhares de gestores por conta de outrem, cujo único objectivo é o de enriquecer os seus mandantes, tirando partido da mundialização.
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Não pondo em causa o natural desejo de enriquecimento e a legítima vontade de empreender e de prosperar, o problema é que a fronteira que separa tais propósitos da pura cupidez é sistematicamente ultrapassada. Dado que as bonificações e stock options de que podem beneficiar dependem dos resultados obtidos, esses gestores pagos a peso de ouro sentem-se impelidos a alcançar performances cada vez mais surpreendentes em prazos sempre mais curtos. O desejo de ganhos ilimitados transforma-os em predadores. Taxas de rentabilidade do capital da ordem dos 15 a 20 %, só para distribuir dividendos, são totalmente absurdas, irrealistas e insustentáveis a longo prazo. Os lucros obtidos em bolsa, graças à especulação financeira, correspondem cada vez menos ao valor real das empresas e raramente são contrapartida de bens produzidos ou serviços prestados.
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Do mesmo modo, os vertiginosos aumentos de preços a que temos assistido nos últimos meses não têm qualquer relação com a realidade dos produtos a que se referem, sejam eles o petróleo, o aço, o cobre, o trigo, o milho, o arroz, o leite ou o imobiliário. A especulação nos mercados a prazo vai provocando bolhas especulativas que podem rebentar não se sabe quando. Fenómeno típico de uma economia de casino, em que as apostas se sucedem para inflacionar artificialmente os preços e, portanto, os lucros.
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Sob o signo do capitalismo financeiro, a «desigualdade fundamental entre ricos e pobres, à escala do globo», não pára de aumentar. Os «verdadeiramente ricos» (high net worth individuals) e os «ultra-ricos» (ultra high net worth individuals) afastam-se cada vez mais do resto da população mundial. Só 77 mil famílias «ultra-ricas» (menos de 1 % das «verdadeiramente ricas») detêm 15 % da riqueza mundial, ao passo que 50 % dos trabalhadores do planeta (1,4 milhares de milhões de famílias, 2,8 milhares de milhões de indivíduos) vivem com menos de dois dólares por dia. O capitalismo total é, de facto, um capitalismo sem projecto e sem preocupações sociais, dominado pela «execrável sede do ouro» de que falava Virgílio. Bastará referir que «5 % da população mundial, metade da qual nos EUA, detém nas suas mãos a quase totalidade da riqueza bolsista do planeta». O problema é que, conforme salienta o autor deste livro, «o actual modo de vida ocidental não é generalizável ao conjunto do planeta: 20 % dos seus habitantes já consomem 80 % dos seus recursos». Resta saber qual será o ponto de saturação.
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A acumulação de tanta fortuna em tão poucas mãos dá que pensar. E a pergunta justifica-se: onde começa a injustiça, em que momento se torna ela intolerável? Para o autor, a questão só pode obter resposta no plano da moral. Ele considera, aliás, que «o poder dos accionistas é, enquanto tal, invulnerável», e que «deitar abaixo o sistema num só país não teria qualquer efeito dado que a sua dominação é mundial». Por isso mesmo, acha que «será mais eficaz descrever a articulação das forças que governam a economia mundial», porque, «para mudar a partir de dentro a economia de mercado (…), é preciso ser capaz de expor em detalhe a sua técnica, decompor os seus mecanismos, saber quais alterar, onde pôr um travão e onde conceder mais liberdade» aos agentes económicos.
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Extremamente moderado nas soluções que propõe, nem por isso o autor é menos lúcido e radical nas críticas que faz. Por exemplo: quando salienta que «a norma técnica substituiu a lei, a comissão independente substituiu o legislador, o perito substituiu o homem político e a organização internacional substituiu o Estado»; quando sustenta que «o responsável político e o intelectual locais estão a tornar-se, contra a sua vontade, nos álibis democráticos de um poder superior e inacessível»; quando afirma que «a própria democracia não é mais do que um placebo local, sem efeito real contra a usurpação tecnocrática»; quando admite que o capitalismo financeiro continua a expandir-se sem limites, «com o risco inexplorado de uma derrocada mortífera»; quando reconhece que, «sob a aparência da liberdade, tornámo-nos dependentes» de um sistema demolidor.
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A maior dificuldade, conforme salienta o autor, reside em saber como reformar o capitalismo financeiro, como pôr termo aos seus abusos, como impedir que a opulência engendre tanta desigualdade, como proibir a privatização generalizada de bens comuns, como lutar contra a miséria e como conter a avidez do lucro, sem que tudo isso implique a destruição da economia de mercado e impeça a urgente reabilitação da democracia, do pluralismo, da liberdade, da solidariedade e da coesão social. Em suma: como conseguir que verdadeiras reformas evitem a eclosão de revoltas e, porventura, de revoluções?
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Raros são os livros escritos por especialistas que conseguem explicar aos leigos com tão grande clareza a complexidade e perversidade dos mecanismos do capitalismo financeiro que a todos afecta. Este é seguramente um desses livros. Vale a pena lê-lo.


Lisboa, 23 de Julho de 2008

quinta-feira, 17 de julho de 2008

Bulgakov e Estaline - o Médico e o Monstro revisitados

«O visitante pousou com simpatia a mão no ombro do pobre poeta e disse:
- Infeliz poeta! Mas, meu caro, a culpa é toda sua. Não devia tratá-lo de modo tão atrevido e até mesmo impertinente. E agora está a pagá-las. E ainda devia estar agradecido por tudo isso lhe ter saído relativamente barato»

Do capítulo 13 de Margarita e o Mestre, de Mikhail Bulgakov

CONHECI Mikhail Afanassievitch Bulgakov – de quem, até então, apenas ouvira falar – no dia 11 de Junho de 1988, depois de uma das minhas habituais e nem sempre bem sucedidas incursões à Feira do Livro, no Parque Eduardo VII, em busca de pérolas e pechinchas da literatura, portuguesa e estrangeira.
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Nesse dia fui bem sucedido: levei para casa um livro de bolso da Colecção Mocho, da antiga editorial Estúdios Cor, contendo nada mais, nada menos do que a tradução portuguesa da novela Coração de Cão, de Mikhail Bulgakov. Ainda não tinha lido o romance Margarita e o Mestre e, por isso mesmo, não encontrei Satanás no Lago do Patriarca, em Moscovo, como aconteceu ao infeliz poeta Ivan Nikolaevitch Ponirov, aliás Bezdomni (aquele que não tem casa), imediatamente internado numa clínica psiquiátrica depois do reboliço que provocou na Casa da Literatura de Massas (MASSOLIT). Mas encontrei em minha casa, no alto do Restelo, com vista para o Hospital de S. Francisco Xavier, o inefável Sharik (Bolinha), um cão vadio que é transformado – por via de vários transplantes, enxertos e manipulações genéticas – num homúnculo chamado Polygraf Poligrafovitch Sharikov: a mais arrogante, perfeita e acabada besta quadrada que qualquer burocracia, sobretudo a soviética, poderia alguma vez ter produzido, com a prestimosa ajuda e inspiração da scientific society americana. E aquilo que, francamente, posso afirmar é que o prazer e o espanto que a leitura desta extraordinária novela (escrita em 1925) provocou em mim só são comparáveis ao deslumbramento que viria a causar-me, no Natal de 1991, a leitura do romance Margarita e o Mestre, escrito nos anos 1930, durante a última década da vida de Mikhail Bulgakov.
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Não por acaso, as duas obras foram mantidas na clandestinidade durante várias décadas. O manuscrito da novela Coração de Cão – que constitui, com duas outras novelas (A Feitiçaria e Os Ovos Fatídicos), uma espécie de trilogia – foi confiscado em 1926 pelas autoridades soviéticas, juntamente com um Diário Íntimo (1922-1925) do escritor, que este nem sequer destinava à publicação (quando lho devolveram, queimou-o, mas os serviços secretos soviéticos guardaram cópias dactilografadas). A novela Coração de Cão só será conhecida no Ocidente em 1968, através da sua publicação, em Londres, num Samizdat in Student. Quanto ao romance Margarita e o Mestre, a obra-prima absoluta de Bulgakov, foi escrito praticamente em segredo, sempre na esperança de um dia vir a ser publicado. Religiosamente guardado pela terceira mulher e viúva do escritor, Elena Serguéevna, será ela a promover a sua publicação, em 1966, mais de um quarto de século depois da morte de Bulgakov (obviamente ainda com muitos cortes de censura na sua edição soviética).
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Bulgakov é, sem dúvida, uma das mais exemplares figuras intelectuais e um dos maiores escritores que o século XX conheceu. Porventura tão grande como os maiores escritores russos do século XIX, que ele tão bem conhecia e admirava: Puschkine, Gogol, Dostoievski, Turgueniev, Tchekov e Tolstoi. Puschkine e Gogol constituíam, aliás, juntamente com Moliére, a tríade de mestres e exemplos que Bulgakov reclamava para si, para a sua obra e para a sua vida, considerando-os seus heróis – porque, como ele, desafiaram os poderes estabelecidos e a hipocrisia social reinante, combateram os preconceitos, a ignorância e o obscurantismo, foram vítimas da incompreensão, do silêncio e da censura. E escreveram obras geniais.
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Bulgakov nasceu em 15 de Maio de 1891, entre fachadas barrocas, monstros e quimeras, igrejas e palácios, ilusões e mistérios, na cidade de Kiev, «uma cidade de beleza, a mãe das cidades russas», como ele próprio escreveu. Foi médico, soldado, jornalista, publicista, actor, encenador, tradutor, autor de libretos, biógrafo, novelista, dramaturgo e romancista. Também foi melómano, morfinómano, espírita, boémio e jogador. E viu tudo aquilo que não queria ver. Testemunhou e sofreu os horrores da Grande Guerra, da Revolução Russa e da Guerra Civil entre Vermelhos e Brancos.
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No curto espaço de um ano, entre Setembro de 1916 e Setembro de 1917, mobilizado como médico militar e colocado numa aldeia da região de Smolensk, o doutor Bulgakov, com a ajuda da primeira mulher, Tatiana, enfermeira improvisada, tratará 15.381 doentes, praticando amputações, traqueotomias e operações de obstetrícia – conforme atesta um documento oficial. E torna-se morfinómano, na sequência de uma insuportável alergia contraída ao tratar de uma criança cuja vida consegue salvar. Transferido, depois, para a pequena cidade de Viazma, dedica-se ao tratamento de doenças infecciosas e venéreas. Mas Bulgakov quer ser escritor e, dentro de poucos anos, abandonará definitivamente a medicina para se dedicar inteiramente à escrita. Não sem antes passar dois anos no Cáucaso, entre o Outono de 1919 e o Outono de 1921, mobilizado outra vez como médico, ao que parece contra a sua vontade, pelo Exército Branco de Denikine, em cujas fileiras contrai o tifo e chega a estar à beira da morte.
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Depois de tentar, em vão, emigrar para o Ocidente, Bulgakov instala-se em Moscovo a partir de Setembro de 1921. Já são diversos os textos que escreveu, e continua a escrever, entre os quais as Narrativas de um Jovem Médico. Mas será a partir do seu primeiro romance, A Guarda Branca, escrito entre 1923 e 1925, que ficarão traçados, não apenas o seu destino como escritor, mas o resto da sua vida. O fascínio pelo teatro fará dele um notável dramaturgo. Os Dias dos Turbin, adaptação teatral do seu romance A Guarda Branca, é a história da desagregação de uma grande família de Kiev, que decorre durante os anos de grande agitação e luta sangrenta entre nacionalistas ucranianos e latifundiários, russófilos e germanófilos, até à derrota final do Exército Branco frente aos Bolcheviques. A peça é estreada em 5 de Outubro de 1926, no Teatro de Arte de Moscovo, e irá ter mais de oitocentas representações.
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O público aplaude com enorme entusiasmo. A crítica oficial e a oficiosa, designadamente a Associação dos Escritores Proletários (RAPP), ataca Bulgakov com extrema violência, e até Maiakovski, o poeta vermelho e irmão inimigo, chega a propor, nos jornais, uma «expedição punitiva» de jovens comunistas durante uma representação da peça. Mas Estaline desempata, com requintes de hipocrisia e de cinismo: «A peça é mais útil do que prejudicial. Não se esqueçam de que a impressão dominante que ela transmite aos espectadores é favorável aos bolcheviques. Se até pessoas como os Turbin se sentem obrigadas a depor as armas, a submeter-se à vontade popular e a reconhecer o fracasso total da sua empresa, isso significa que os bolcheviques são invencíveis».
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É o primeiro confronto, à distância, entre o Médico e o Monstro. Há muito que Bulgakov não tem ilusões sobre o futuro do bolchevismo. Tal como em Outubro de 1923 conseguirá prever, no seu Diário Íntimo, a ascensão de Hitler ao poder e a sua transformação num novo Kaiser – o que é extraordinário a uma tal distância –, já em 1919 ele previra, num texto intitulado Perspectivas de Futuro (em que ataca a «figura maléfica de Trotsky»), que os países ocidentais iriam progredir e desenvolver-se, ao passo que «nós, nós vamos acumular o atraso…». E pergunta: «Quem irá ver os dias radiosos? Nós? Oh, não! Talvez os nossos filhos, talvez só os nossos netos, porque o diapasão da história é bem amplo e ela se conta tão facilmente em decénios como se conta em anos». Palavras proféticas, escritas com sete décadas de antecedência.
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Apesar do comentário aparentemente favorável de Estaline, também a peça Os Dias dos Turbin acabará por sair de cena, tal como outras peças de Bulgakov – O Apartamento de Zoika, A Ilha Púrpura, etc. – imediatamente retiradas dos repertórios ou pura e simplesmente proibidas. Para Bulgakov, vai começar «o exílio no interior» e sobre ele irão abater-se, inexoravelmente, o silêncio, o ostracismo e a censura, que hão-de acompanhá-lo até ao fim da sua vida.
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Mas Bulgakov ainda vai interpor um último recurso. Vai escrever uma carta a Estaline, de uma dignidade e audácia extraordinárias, que tocam as raias do atrevimento e da impertinência, porventura, até, da ingenuidade. É um documento verdadeiramente surpreendente, que dá bem a medida da grandeza do homem e da sua probidade intelectual. Diz ele: «Provo, apoiado em documentos, que a generalidade da imprensa soviética e, juntamente com ela, todos os organismos incumbidos do controlo dos repertórios, se empenharam em demonstrar, univocamente e com uma veemência pouco comum, que, durante todos estes anos em que desenvolvi o meu trabalho literário, as obras de Mikhail Bulgakov não podem existir na URSS. Pelo meu lado, declaro que a imprensa soviética tem toda a razão».
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É este o núcleo central da sua argumentação, a partir do qual Bulgakov solicita ao Governo soviético que o autorize a «abandonar, no mais breve prazo possível, o território da URSS», acompanhado pela sua segunda mulher, Liubova Euguénievna. Bulgakov vai ainda mais longe e cita uma das muitas críticas que lhe foram dirigidas: «Na URSS, todo o autor satírico atenta contra o regime soviético. Serei eu pensável na URSS?». A propósito dos conselhos com que alguns o prodigalizaram, sugerindo que escrevesse uma «peça comunista», afirma: «Quanto a escrever uma peça comunista, nem sequer o tentei, sabendo de antemão que sou perfeitamente incapaz de o fazer».
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Bulgakov proclama, também, o seu dever de «lutar contra a censura» e de apelar à «liberdade de expressão», mas os parágrafos mais impressionantes são aqueles em que antevê a possibilidade de recusarem o seu pedido: «Peço-lhes que compreendam que, se me colocarem na impossibilidade de escrever, para mim é o mesmo que ser enterrado vivo». E, finalmente: «Se for condenado a calar-me na União Soviética, durante o resto dos meus dias, solicito ao Governo que me dê um emprego na minha especialidade, afectando-me a um teatro como encenador titular (…). Se não me nomearem encenador, solicito, em derradeira instância, um emprego de figurante. E se não puder ser figurante, que me dêem um trabalho de servente».
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A carta tem a data de 28 de Março de 1930. O que irá acontecer? Verifica-se um conjunto de circunstâncias imprevisíveis. Maiakovski suicida-se no dia 13 de Abril, segunda-feira da Semana Santa. E o impensável ocorre na sexta-feira Santa, dia 17 de Abril: Estaline telefona pessoalmente a Bulgakov, que é colhido de surpresa e nem quer acreditar. Estaline não perde tempo, acusa a recepção da carta, promete «uma resposta favorável» e pergunta a Bulgakov: «Você quer partir para o estrangeiro, não é verdade? Está assim tão farto de nós?». Bulgakov acaba por contemporizar e dá a resposta fatal: «Nestes últimos tempos, pensei longamente na seguinte questão: pode um escritor russo viver fora da sua pátria? E parece-me que não». Resposta imediata de Estaline: «Tem toda a razão. Sou da mesma opinião». E garante a Bulgakov o emprego que este tinha solicitado: encenador (não titular, mas adjunto) do Teatro de Arte de Moscovo.
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Bulgakov não mais sairá da URSS. Já não irá a Paris inclinar-se perante a estátua de um dos seus mestres – Moliére – como tanto desejava. A peça que escreveu sobre o grande dramaturgo francês também é recusada pelas autoridades, como o serão todas as outras, sejam originais ou adaptações, libretos para óperas ou projectos de encenações. Apenas lhe permitirão ser actor - e Bulgakov também é um excelente actor. Tudo o que, a partir daí, vai escrever só será lido aos serões, numa roda de amigos. Mas é nessa década terrível, a última década da sua vida, que vai entregar-se, de alma e coração, até ao esgotamento físico e à doença, à escrita da sua obra-prima: o romance Margarita e o Mestre.
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Ainda escreverá a Estaline uma segunda carta, em 10 de Junho de 1934, pedindo autorização para efectuar uma viagem de repouso ao estrangeiro, por um período de apenas dois meses. Desta vez, porém, já não obterá qualquer resposta. O «terror» já se instalara e os «processos de Moscovo» estavam em marcha, sucedendo-se as prisões, as «confissões», as deportações, os «suicídios» e as execuções sumárias.
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Numa derradeira tentativa de sobrevivência, Bulgakov ainda escreve uma peça sobre a juventude de Estaline, intitulada Batum, em que o tirano é retratado como um ex-seminarista exaltado que se transforma em combatente revolucionário. Precisamente o contrário do que convinha ao «culto da personalidade» do chefe todo-poderoso, isto é, à imagem de Estaline como «grande estadista», senhor de todas as Rússias e afável «Pai dos Povos».
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Os primeiros sintomas da doença que há-de matar Bulgakov e que já matara seu pai - a nefroesclerose - manifestam-se em Setembro de 1939, quando o mundo mergulha na II Guerra Mundial e Estaline vai atingir o zénite do seu poder totalitário. Bulgakov ainda pensa em suicidar-se, mas não tem uma pistola. Está quase cego e só suporta a luz das velas. Na última foto que oferece a sua mulher, Elena, em 11 de Fevereiro de 1940, escreve: «Não fiques triste por os meus olhos estarem tapados por óculos escuros. Eles sempre tiveram o dom de distinguir a verdade e a mentira».
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Mikhail Bulgakov morre no dia 10 de Março de 1940. O seu corpo repousa no cemitério de Novodevitchi, reservado ao Teatro de Arte de Moscovo, debaixo de uma enorme pedra de granito negro do Cáucaso, que fora colocada no primeiro túmulo de Nicolau Gogol, no cemitério de Danilov. Aliás, desde 1931 que os restos mortais de Gogol também já estavam depositados no cemitério de Novodevitchi…
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Meio século depois da sua morte, a obra de Bulgakov aí está, surpreendente e viva, em todo o seu esplendor, vencendo inapelavelmente o derradeiro confronto com a «obra» de Estaline. É uma obra desigual, certamente, mas genial em múltiplos aspectos. Caracterizada pela prodigiosa imaginação de um homem que quis ser livre e diferente. E não há congresso algum da imaginação, sugerido por intelectuais orgânicos de qualquer regime, em qualquer época e em qualquer parte do mundo, que possa sequer abeirar-se, quanto mais substituir-se, à imaginação de um criador autêntico, ética e esteticamente íntegro, como o foi Bulgakov. Porque a verdadeira imaginação não se compadece com exorcismos colectivos, não se organiza nem se planeia, não é uma moda efémera nem um compromisso político. É avessa aos compadrios. É o contrário da burocratização.
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Este texto foi publicado no suplemento de Cultura do Diário de Notícias, em 12 de Novembro de 1992, e no livro intitulado «Janela Indiscreta», publicado por Alfredo Barroso e editado pela Quetzal em 1994.

terça-feira, 29 de abril de 2008

Sinais de decadência política

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VAI LONGE O TEMPO em que a política era, antes de mais, um combate de ideias sustentadas por pessoas. Hoje, a política é, sobretudo, uma disputa entre pessoas com poucas ou nenhumas ideias. É uma luta entre personalidades mais ou menos circenses, que se exibem como imagens de marca e se comportam como actores de telenovela no grande palco mediático em que se representa a política quotidiana.
Os partidos de poder e o próprio Estado transformaram-se, nas últimas décadas, em produtores de espectáculos exibidos em sessões contínuas. A vida política passou a ser uma sucessão ininterrupta de encenações medíocres para entreter telespectadores, e não para esclarecer cidadãos eleitores. Os políticos que aspiram ao poder, no partido ou no Estado, não são mais do que actores que cumprem um guião previamente elaborado por especialistas de imagem, comunicação, marketing e sondagens.
A política está, hoje, reduzida à imagem dos seus protagonistas, quase sempre superficial, ideologicamente indiferenciada e sem substância. O poder político formal, tanto no Estado como nos partidos dominantes, identifica-se com um rosto e um estilo, o corte dos fatos e a cor das gravatas. Não com um programa ou um conjunto de ideias e de políticas públicas. O discurso é oco e «politicamente correcto».
O verdadeiro poder ou poder real já não reside, aliás, nos órgãos de soberania do Estado democrático, designadamente nos Governos e nos Parlamentos, mas em outras entidades e instituições, sobretudo nos grandes grupos económicos e financeiros e nas elites de empresários, gestores e tecnocratas que os dirigem. É no ‘berço’ desses grupos poderosos que os partidos dominantes e os seus dirigentes vão ‘amamentar-se’. E já se sabe que «a mão que embala o berço é a mão que governa o mundo».
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TUDO ISTO É do conhecimento público e explica muito do que se passa nos palcos mediáticos da política. Para quem já o tenha esquecido, aí está, para avivar a memória, o espectáculo delirante e patético proporcionado pela crise em curso no PPD/PSD, como tanto gosta de o designar Pedro Santana Lopes (PSL). Como é hábito, não se discutem políticas, discutem-se pessoas. No palco mediático da crise, nenhum lugar para as ideias consistentes e sérias, todo o lugar para as personalidades e suas idiossincrasias.
É a imagem pessoal dos candidatos, o estilo, a capacidade de atracção mediática de cada um, que interessa pôr em confronto. Não propriamente as ideias e programas que eles venham, eventualmente, a apresentar. Ninguém melhor do que PSL sabe disso. Por instinto ou por cinismo, pouco importa. É exactamente por saber disso que PSL faz tábua rasa do seu currículo e das suas prestações políticas mais recentes com a inocência perversa dos inimputáveis ou, se quiserem, o descaramento dos irresponsáveis.
Pedro Santana Lopes está sinceramente convicto de que foi um bom Primeiro-Ministro e um óptimo Presidente da Câmara. E acha que só não foi ainda melhor porque sinistras forças de bloqueio se conluiaram para lhe tramar a vida e pô-lo no olho da rua. PSL considera-se uma vítima. Mas tem-se em altíssima conta. A sua megalomania já o levou a comparar-se a Sílvio Berlusconi. É o seu mito do eterno retorno.
Como não é multimilionário, nem dono de um império mediático ao seu dispor, PSL supre tais carências fazendo valer o capital mediático constituído pela sua própria pessoa. Tal como Benito Mussolini, modelo de Berlusconi, PSL quer «fazer da própria vida a sua obra-prima». E certamente não desdenharia subscrever estas palavras de Il Duce, escritas já lá vão oitenta anos: «É a maior prova de abnegação que eu poderia dar para edificação dos meus semelhantes: apresentar-me a mim mesmo».
A esta luz, percebe-se melhor o autismo de PSL, que se vê a si próprio como o melhor actor político, o melhor produto mediático à disposição do PPD/PSD, rótulo de uma embalagem sem conteúdo que ele não se cansa de promover em vão. E, no entanto, mesmo que venha a ser derrotado em mais esta corrida para a chefia do partido, poucos duvidam de que hão-de ser os próprios media a ajudá-lo a recuperar de mais um revés. È que o poder mediático precisa de PSL a «andar por aí», para entreter o pagode.

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AO PONTO A QUE ISTO CHEGOU, não espanta o crescente desinteresse pela política e o descrédito que ela suscita. PSL é apenas um epifenómeno, um sintoma que sobrevém numa doença já declarada e que afecta seriamente os partidos de poder em Portugal. No PS também há «casos sérios», mas a maioria absoluta tem servido de cimento às hostes. Já o PPD/PSD, tem o supremo azar de estar na oposição, sem rumo, sem ideias e sem programa desde que o governo do PS se encostou à direita e lhe puxou o tapete.
A decadência da política é consequência de múltiplos factores. A indiferenciação ideológica e a vacuidade do discurso político são certamente os mais chocantes.

segunda-feira, 21 de abril de 2008

Jardim, Cavaco e a Democracia

AO CABO DE TRÊS DÉCADAS de condescendência, complacência e pusilanimidade confrangedoras, por parte da maioria dos dirigentes políticos nacionais e dos titulares dos órgãos de soberania da República, já é demasiado tarde para pôr na ordem Alberto João Jardim e obrigar o truão cesarista e telepopulista que governa a Madeira a respeitar os seus adversários políticos e as instituições representativas do Estado democrático.
O sentimento de total impunidade de que Jardim beneficia, no arquipélago em que vive politicamente entrincheirado, é que lhe dá alento para a demagogia e o insulto, a provocação e a chantagem permanentes, a intolerância para com os adversários e o total desprezo pelas instituições democráticas, que ele curto-circuita sistematicamente.
Como todo o cesarista que se preza, Alberto João Jardim continua a alimentar a ambição ilegítima de exercer o poder sem limites, de governar sem oposição e de impor a sua vontade política abafando as vozes dos que discordam e liquidando a democracia representativa. Como é um truão telegénico, grande comediante da era da vídeo-política, não hesita em utilizar a televisão para praticar a demagogia e multiplicar as provocações e as chantagens, as ameaças e os insultos. É um demagogo telepopulista e pós-fascista.
Jardim recorre frequentemente à palhaçada e à linguagem desbragada, por vezes pseudo-revolucionária e anti-capitalista, como armas políticas de arremesso, não apenas contra os «cubanos» e os «maçons» do continente mas, sobretudo, contra o sistema. Ele sabe como alimentar o sentimento de claustrofobia política insular, invocando ameaças e conspirações imaginárias e apontando a dedo o inimigo colonialista que espreita a sua oportunidade em Lisboa para reduzir a Madeira à mera condição de colónia ‘africana’.
Convém não subestimar Alberto João Jardim, mas também importa não temer o ‘bicho’. Quando ele ataca directamente a democracia representativa, chamando «bando de loucos» aos deputados da oposição no parlamento regional, está a ultrapassar, mais uma vez, todas as marcas. E a atitude mais adequada e corajosa não será, propriamente, a de dizer: «Não mexam no bicho, que ele morde!». Porque, obviamente, é dessa atitude que o ‘bicho’ está à espera, para continuar a ‘morder’ e a enxovalhar quem se agacha.
Foi com surpresa que vi o Presidente da República invocar o «direito de reserva» - não o «dever» mas o «direito», note-se! – para se eximir a uma condenação pública do comportamento antidemocrático de Jardim. Não se quis meter em sarilhos, metendo na ordem o truão que governa a Madeira. Fez mal. Tal como fez mal em aceitar que fosse suprimida a habitual sessão solene da Assembleia Legislativa, o órgão de representação democrática por excelência. Cavaco Silva confirma, assim, a suspeita, gerada enquanto foi Primeiro-Ministro, de que também não aprecia especialmente parlamentos. Há sinais que perturbam e este é um deles. É lamentável que Jardim continue a ser o último a rir.
«Sol» de 19 Abr 08

quarta-feira, 26 de março de 2008

Pacheco Pereira e a Guerra do Iraque

HÁ MAIS DUAS ‘VÍTIMAS’ da invasão do Iraque que até agora ainda não tinham sido contabilizadas e que só há poucos dias foram reveladas: os publicistas neoconservadores José Pacheco Pereira e José Manuel Fernandes. Felizmente estão vivos, não foram alvo de bombardeamentos americanos nem de atentados da Al-Qaeda, mas é suposto terem sido vítimas dos ataques soezes de ‘uma pequena turba’ (de esquerda, claro!) que os acusa de um grave ‘delito de opinião’: ‘terem estado a favor da invasão do Iraque’.
Quem fez esta ‘revelação’ sensacional, em artigo dada à estampa no ‘Público’ de 22 de Março, foi precisamente uma dessas vítimas, o ilustre publicista José Pacheco Pereira. Sucede que ele continua a dar opiniões em tudo o que é órgão de comunicação social, desmentindo assim, sem se dar conta disso, os seus próprios receios de ‘prisão e banimento’, ‘ostracismo e incapacidade cívica’, ‘punição, censura, opróbrio, confissão pública do crime, rasgar das vestes’ e, até, suplícios num ‘pelourinho’ – para citar o que ele escreveu, porventura sob a influência pascal do ‘Evangelho Segundo S. João’.
Pacheco Pereira diz que foi acusado de cometer ‘delito de opinião’, mas não diz concretamente quem o acusou, como e quando. É claro que está a mentir, e não apenas a exagerar recorrendo a uma figura de retórica. O que ele pretende é apresentar-se como vítima e dar largas ao seu complexo de perseguição. Mas este é um problema recorrente de quem já foi da extrema-esquerda, decidiu passar-se para a direita e nunca mais pára, ao longo da vida, de exorcizar em público os fantasmas ideológicos do seu passado.
Pacheco Pereira quer apontar os ‘erros clamorosos da Administração Bush’, o ‘modo ingénuo, ignorante e incompetente como foi previsto o período de ocupação’ do Iraque, ‘a imprudência e a impreparação americanas’. Mas não admite que o confundam com a maioria, pouco ‘séria’, daqueles que sempre se manifestaram contra a invasão e a ocupação. Porque, escreve ele, ‘uma coisa é criticar os americanos pela sua ocupação do Iraque e outra é contestar a decisão de invadir’. Uma subtileza que escapou à ‘turba’.
O artigo em causa (que promete continuação) é um modelo de hipocrisia política e de desonestidade intelectual. É um atentado contra a inteligência do próprio autor, que dá provas de um anti-esquerdismo bem mais ‘primário’ do que o anti-americanismo de que tanto se queixa. A técnica adoptada por Pacheco Pereira é a da desqualificação dos adversários da invasão e da ocupação do Iraque, tratados como ‘uma pequena turba’ de débeis mentais cheios de ‘slogans’ tribunícios e ‘tiques’ ideológicos. A inexistência de armas de destruição maciça, tal como a inexistência de apoios de Saddam Hussein à Al-Qaeda, também são consideradas irrelevantes, com o claro propósito de desqualificar os protestos contra as mentiras de Bush, Blair, Aznar e Durão Barroso. Uma vergonha!
A tentativa de desqualificação dos que sempre foram contra a guerra, a peregrina tese do ‘irritante geral’ que era urgente erradicar, a incoerência dos argumentos a favor da invasão, os insultos à tão odiada esquerda e o ridículo papel de vítima que Pacheco Pereira assume, para não dar o braço a torcer, são simplesmente lamentáveis e chegam a ser patéticos. Convém que se diga que ele não é uma vaca sagrada, nem paira acima das ideologias, como quer fazer crer. Também ele tem uma tese e, aconteça o que acontecer, o que vale é a tese dele. Essa tese é uma visão do mundo assente numa única obsessão: um anti-esquerdismo militante por razões ideológicas, agravadas por um rancor pessoal. Formalmente, a tese de José Pacheco Pereira continua a ser omnisciente, intolerante e dogmática. Só o conteúdo é que mudou: dantes era de esquerda, agora é de direita.
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Crónica escrita para o blogue Sorumbático, onde foi afixada em 26 Mar 08

sábado, 15 de março de 2008

Um "governo com resultados"... maus

Por Alfredo Barroso
O MELHOR DESTE GOVERNO, até agora, é certamente aquilo de que Sócrates não pára de ufanar-se: uma redução rápida e brutal do défice do Orçamento do Estado, a par de um aumento pouco significativo da taxa de crescimento do PIB. Não sei se Sócrates também se regozija com o aumento vertiginoso das grandes fortunas, que se regista desde 2006. Mas a direita dos interesses e das negociatas, essa sim, está satisfeita. Não é por acaso que aplaude o Governo, embora nunca vote PS. Comparativamente com os anteriores Governos de direita, chefiados por Durão Barroso e Pedro Santana Lopes, o actual Governo de direita, chefiado por José Sócrates, é seguramente muito mais eficaz. Então em matéria de arrogância e autoritarismo, pede meças…
O pior destes três anos de Governo está bem à vista: aumento do desemprego e da precariedade; diminuição substancial do poder de compra dos trabalhadores e dos reformados; subida vertiginosa das desigualdades sociais e alargamento do fosso salarial entre ricos e pobres; diminuição pouco significativa da pobreza extrema e aumento brutal da pobreza relativa, com empobrecimento crescente da classe média. Tudo isto, somado a enorme intransigência e a um profundo desprezo pelos sectores sociais e profissionais mais afectados pela crise, leva-me a concluir que, perante este balanço do Governo de Sócrates, o PS bem pode limpar as mãos à parede...
Não sou católico nem crente mas… Deus nos livre de mais maiorias absolutas, que com as maiorias relativas podemos nós bem. O problema de Sócrates é o de conseguir convencer um país exangue de que os resultados positivos desta austeridade brutal e a redistribuição dos frutos deste crescimento pindérico estão para breve. Sabemos bem que isso é falso, mas a mentira é hoje uma componente essencial do jogo político. E é bem provável que uma população em desespero ainda aceite iludir-se por mais algum tempo. Até ao momento em que a indignação extravase e a revolta rebente...
Depoimento prestado ao «Sol-online», em 11 de Março de 2008, por ocasião do 3.º aniversário do actual governo.