quarta-feira, 10 de abril de 2013

Na morte de Thatcher, amiga de Pinochet

MORREU Margaret Thatcher, uma das principais responsáveis pela contra-revolução neoliberal que há mais de 30 anos vem devastando os regimes democráticos ocidentais, distorcendo a economia, tornando as sociedades democráticas cada vez mais desiguais, destruindo a coesão social, impondo o «casino da especulação monetária» e a ditadura dos mercados financeiros globais que hoje mandam em nós.
Morreu, além disso, a amiga de Pinochet, um dos ditadores mais sanguinários e corruptos da América Latina, que permitiu que o Chile se tornasse banco de ensaio das políticas ultraliberais preconizadas pela famigerada «escola de Chicago» e levadas a cabo pelos «Chicago boys», apadrinhados por Milton Friedman e Friederich von Hayek, figuras tutelares do pensamento de Margaret Thatcher, além da mercearia do pai.
Não faço esta acusação de ânimo leve. São factos conhecidos, designadamente a sua acendrada admiração por Augusto Pinochet, como se projectasse nele aquilo que ela desejaria impor, mas nunca poderia conseguir, na velha democracia inglesa. Há muitas fotos em que aparecem ambos sorridentes, lado a lado, quer quando o ditador estava no poder, quer quando o detiveram em Londres na sequência do pedido de extradição efectuado pelo juiz espanhol Baltazar Garzon, que o acusou de ser responsável, durante a ditadura, pelo assassínio e desaparecimento de vários cidadãos espanhóis.
Esta mulher a quem chamaram «dama de ferro», como poderiam ter chamado «de zinco» ou «de chumbo», nutria um profundo desprezo pelos grandes intelectuais ingleses do seu tempo, designadamente Aldous Huxley, John Maynard Keynes, Bertrand Russell, Virgínia Woolf e T. S. Eliot, conhecidos como o «círculo de Bloomsbury» (do nome do famoso bairro londrino de editores e livreiros e de boémia intelectual). A frustração dela perante o talento e a inteligência que irradiavam deles, e que ela não conseguia captar, levaram-na a considerá-los «intelectuais estouvados, que conduziram o Reino (Unido) pelos caminhos nada recomendáveis da segunda metade do século XX». Ao diabo as «literatices» da «clique de Bloomsbury», dizia ela. «O meu Bloomsbury foi Grantham» (onde o pai tinha a famosa mercearia) (…) Para compreender a economia de mercado, não há melhor escola do que a mercearia da esquina». Deve ser por isso que as mercearias estão a falir… 
Thatcher considerava «a distância entre ricos e pobres perfeitamente legítima» e proclamava «as virtudes da desigualdade social» como motor da economia. A verdade dos números é, no entanto, bastante diferente. Como salienta John Gray, um dos mais importantes pensadores contemporâneos, na Grã-Bretanha da chamada «dama de ferro» os níveis dos impostos e das despesas públicas eram tão ou mais altos, ao fim de 18 anos de governos conservadores, do que quando os trabalhistas deixaram o poder, em 1979. Ao mesmo tempo, nos EUA de Ronald Reagan, co-autor da «contra-revolução neoliberal», o mercado livre e desregulado destruiu a civilização de capitalismo liberal baseada no New Deal de Roosevelt, em que assentou a prosperidade do pós-guerra. 
Convém dizer que John Gray, autor de vários livros editados em português, entre os quais Falso Amanhecer (False Dawn), chegou a ser uma das figuras dominantes do pensamento da chamada «Nova Direita», que teve uma grande influência nas políticas que Thatcher pôs em prática. Mas ficou desiludido e alarmado com as terríveis consequências dessas políticas e tornou-se um dos críticos mais lúcidos e implacáveis dos «mercados livres globais», cuja desregulação tem causado os efeitos mais perversos nas sociedades contemporâneas, provocando a desintegração social e o colapso de muitas economias. O capitalismo global parece funcionar, segundo Gray, de acordo com as regras da selecção natural, destruindo e eliminando os que não conseguem adaptar-se e recompensando, quase sempre de maneira desproporcionada, os que se adaptam com sucesso. Estas são, logicamente, as inevitáveis consequências do pensamento de Thatcher, ao pôr em prática «as virtudes da desigualdade social» como motor da economia.
A pesada herança de Margaret Thatcher, tal como a de Ronald Reagan - adoptadas não apenas pela direita ultraliberal, mas também por uma certa esquerda neoliberal (Tony Blair, Gerhard Schröder e alguns discípulos da Europa do Sul, designadamente lusitanos) - é esta crise brutal em que a UE e os EUA estão mergulhados há já cinco anos. E o mais terrível é que é o pensamento dos principais responsáveis por esta crise que continua e prevalecer na maioria dos governos que prometem acabar com a crise através da austeridade, do empobrecimento dos cidadãos e do confisco dos seus direitos sociais. Thattcher foi um ser maléfico e não deixa saudades. 
 Lisboa, 8 de Abril de 2013

quarta-feira, 6 de fevereiro de 2013

NÃO É CÓMODO SER DE ESQUERDA



O EURODEPUTADO e famoso ex-ministro da Saúde de um governo do PS, António Correia de Campos, escreveu no Público, em 21 de Janeiro passado, que «o povo não come ideologia». Claro que não! Tal como não come música, literatura, artes plásticas, cinema e muitas outras coisas consideradas fúteis pelos economicistas de serviço. Ao contrário dos hamburgers da McDonald’s, por exemplo… Ou dos bifes que a drª Isabel Jonet acusou o povo de comer todos os dias, para ruína da pátria e da república… E quem não se recorda daquele ministro de Berlusconi que se atreveu a contrariar jornalistas que insistiam em falar-lhe de Cultura, dizendo que «a ‘Divina Comédia’ não serve para comer porque com ela não podemos fazer sanduíches»?!
«O povo não come ideologia» é uma frase muito batida, normalmente utilizada pela direita ou por políticos oriundos da extrema-esquerda sempre em trânsito para a direita. É característica do pragmatismo sem princípios que tomou conta dos partidos socialistas, social-democratas e trabalhistas membros da Internacional Socialista, na última década do século passado, a partir da fracassada Terceira Via teorizada por Anthony Giddens e adoptada por Tony Blair, Gerhard Schroeder, António Guterres e «tutti quanti» por essa Europa fora. No fundo, não passou de uma conversão encapotada às delícias do neoliberalismo. Foi uma abdicação ideológica que os tornou comparsas da direita e reforçou o «rotativismo» no poder, com as mordomias que ele confere e os tachos que permite distribuir.
«Ser de esquerda não tem necessariamente de ser cómodo. Quase nunca é» - dizia João Martins Pereira, uma referência ideológica para muitos da minha geração. E o que é uma ideologia? Para não complicar as coisas, recorro a um dicionário bem conhecido, o da Porto Editora, que reza assim sobre ideologia: «1. Sistema de ideias, valores e princípios que definem uma determinada visão do mundo, fundamentando e orientando a forma de agir de uma pessoa ou de um grupo social (partido político, grupo religioso, etc.) 2. Estudo da origem e da formação das ideias».
Claro que há ideologias boas e ideologias más, democráticas e totalitárias, pluralistas e intolerantes. Mas, ao contrário do que costuma afirmar a direita (sempre demagógica até ao tutano), não me parece que, em si mesmo, o conceito de ideologia seja um papão. Nem uma sanduíche de Dante. Nem um bife à Isabel Jonet. Aliás, só um «prodígio sem ossos» («boneless wonder», como chamava Churchill a alguns dos seus adversários políticos) é que pode singrar na política sem qualquer quadro de valores e princípios, sem uma visão do mundo que lhe sirva de referência, caminhando aos ziguezagues, recorrendo à navegação de cabotagem por incapacidade de se fazer ao largo e de correr riscos, definindo novos rumos e tentando mudar o estado das coisas para que os cidadãos consigam viver melhor, numa sociedade menos desigual, mais justa e mais solidária.
Um «prodígio sem ossos» não faz grandes ondas, provoca apenas uma ligeira ondulação enquanto aguarda tranquilamente a sua vez para regressar ao poder. A Internacional Socialista está cheia de «prodígios sem ossos» ansiosos por agradar a plutocratas, banqueiros, grandes empresas e seus accionistas, gestores e patrões. A Internacional Socialista está em crise profunda porque os partidos que dela fazem parte cortaram as suas raízes históricas, abdicaram de ter um pensamento próprio, autónomo, original, e julgaram erradamente que se renovavam catrapiscando ideias e propostas dos seus adversários da direita neoliberal e neoconservadora. Os resultados estão à vista. De facto, não é nada cómodo ser de esquerda…

«Público», 6 Fev 13

quinta-feira, 10 de janeiro de 2013

MOEDAS PELA BORDA FORA

O MOEDAS regozija-se com a ameaça de mais cortes, mais sofrimento e mais miséria inclusa num relatório do FMI que acumula várias toneladas de barro atiradas à parede da nossa desgraça. Este Moedas, mais do que insensível e irresponsável, é o perfeito imbecil. E é a prova, a par de António Borges, que o Goldman Sachs também contrata azémolas. Mas diga-se, sem receio de errar, que tais criaturas fazem jus ao tom geral que caracteriza este governo de fanáticos, incompetentes e hipócritas. 
As alimárias que desgovernam o país já há muito que perderam qualquer legitimidade para continuar no poleiro. Exercem hoje uma ignóbil ditadura financeira de fachada democrática, tentando encobrir a execrável germanofilia com um ridículo patriotismo de lapela. Como se já não bastasse hastear a bandeira nacional de pernas para o ar.
Atirem o Moedas pela borda fora! - é o que dá vontade de gritar. Mas atirem também o grande magarefe (Vitor Gaspar) e o seu megafone (Passos Coelho). Atrás deles terão de ir todos os outros, a começar pelo «professor doutor engenheiro» Miguel Relvas, vergonha do nosso ensino privado. Mas cuidado quando chegarem à ministra Cristas, para não atirarem fora o bebé dela com a água do banho. 
Sinceramente, já não há pachorra para as análises politicamente correctas a explicar com pezinhos de lã que estas alimárias puseram o país a saque!

quarta-feira, 9 de janeiro de 2013

ANÚNCIOS LUMINOSOS


LEMBRO-ME de, quando era rapaz, ter convencido um colega meu, oriundo de uma das colónias do Império, que Lisboa tinha um clima temperado graças aos anúncios luminosos. Claro que ele não sabia que o arquitecto Raul Lino era contra os anúncios luminosos nos Restauradores e no Rossio, nem sabia, aliás, quem era Raul Lino.
É este um bom pretexto, caros leitores friorentos, para vos dizer que, quando oiço Passos Coelho apanhado à má fila a fazer uma daquelas declarações improvisadas em que debita inanidades num estilo pomposo e com o lábio de cima esgalgado por um sorriso patético, lembro-me sempre do meu crédulo colega de há mais de meio século.
Hoje ouvi o nosso primeiro dizer, nessa postura e de esposa ao lado, que os portugueses já podem vislumbrar uma luz ao fundo do túnel. O sorriso dele até parecia escarninho – como se estivesse a gozar com o pagode – mas na verdade não passava de um esgar inestético. Em todo o caso, esperemos que a luz que ele já consegue lobrigar ao fundo do túnel não seja a de um comboio rápido que se aproxima de nós a toda a velocidade.
Eu diria que o grande magarefe Vítor Gaspar (corta verbas como quem corta carnes num talho) é quem convence o nosso primeiro a fazer estes anúncios luminosos, tal como eu convenci o meu colega de outrora sobre as virtudes meteorológicas desse tipo de anúncios em Lisboa.
De facto, o nosso primeiro parece ter deixado os miolos no talho, para se tornar no megafone do grande magarefe. Mas, como os anúncios nunca lhe iluminam o verbo, ele passa o tempo a desconversar e a descarrilar.
7 Jan 13 

terça-feira, 8 de janeiro de 2013

PERITOS E ESPECIALISTAS

Por Alfredo Barroso 
«GOVERNO tem 164 ‘especialistas’ a ganhar até 5.775 euros por mês» - titula o «i» na sua edição de hoje, 5 de Janeiro de 2013. 
 O vazio aterrador do pensamento político actual cria esta janela de oportunidade (e oportunismo) para a «muito douta ignorância de peritos e especialistas que pretendem esclarecer os responsáveis políticos e sociais» - como salienta Edgar Morin num texto publicado há dias no «Le Monde». 
Trata-se e ‘peritos’ e ‘especialistas’ completamente incapazes de relacionar entre si e assimilar a enorme quantidade de informações e conhecimentos que vão acumulando dia a dia, e que por isso também são incapazes de formular uma visão integrada, de conjunto, uma orientação coerente, um desígnio político, económico e social que responda aos sérios problemas, dificuldades e desafios que a realidade lhes impõe. 
Em boa parte dos casos, trata-se de ‘especialistas’ que alimentam «a ilusão de uma saída da crise através da economia neoliberal, que todavia foi a que produziu esta crise». Regra geral, porém, não têm sequer competências para desempenhar as funções para que foram, teoricamente, nomeados. No fundo, quase todos eles não passam de penduras do poder, que vivem (e bem) à custa do cartão do partido. É uma prática do «arco do poder» (e não apenas do «bloco central»), nos seus três tons: cor-de-laranja azedo, azul cueca e cor-de-rosa fanado. Entretanto, ganha-se bem na toca do Coelho… 
5 Jan 13

segunda-feira, 7 de janeiro de 2013

SOBRE RADICALISMOS


O RADICAL agressivo chama os bois pelos nomes: se o destinatário do insulto é um filho da puta, chama-lhe filho da puta! Já o radical chique tenta ser mais subtil: chama-lhe filho de uma senhora sem cama certa! Só que uma senhora assim não é necessariamente uma meretriz. Logo: está a ser feita uma generalização abusiva. Cuidado!
Veja-se também a coisa pelo lado do pai, que pode ser homem de uma só cama casado com mulher sem cama certa. Neste caso, o radical agressivo pode, se for caso disso, insultar o filho do casal chamando-lher: filho de um cornudo! Já o radical chique preferirá chamar-lhe: filho de um boi! Mas, atenção: os bois não devem ser menosprezados, já que, como dizia Camilo, são «ricos mananciais de bifes». Embora seja certo que D. Isabel Jonet acha que o povo não pode estar a comê-los todos os dias. Em todo ocaso, ando agora a fazer uma investigação para saber quando é que o povo os comia todos os dias. Será que vou descobrir a existência de um radicalismo bovino?!
Todas estas considerações resultam do facto de eu ser considerado um radical agressivo e nunca ter sido capaz de me tornar um radical chique. Até porque nunca consegui, nunca quis ou nunca pude praticar o tal radicalismo bovino que D. Jonet condena…

6 Jan 13

sexta-feira, 4 de janeiro de 2013

«REMOVIDO» DA SIC NOTÍCIAS

Caros amigos (poucos), simpatizantes (alguns) e conhecidos (muitos),
.
CUMPRO o «doloroso dever» de participar – para gáudio de quem detesta as minhas opiniões e não me pode ver nem pintado – que fui, no dia 2, «removido», por telefone, do programa «Frente-a-Frente» da SIC Notícias, no qual participava desde o ano de 2004.
Digo «removido», porque me parece ser um bom compromisso entre o termo «dispensado» (politicamente correcto) e os termos «despedido» ou «corrido» (politicamente incorrectos). Justificações da «remoção»: 
i) necessidade de «renovar» a lista de «paineleiros», naturalmente «remoçando-a» (presumo que um velho rezingão como eu será substituído por um daqueles moçoilos geniais que agora dirigem o PS); 
ii) deixar de pagar as participações no «Frente-a-Frente» (150 euros cada uma), porque a SIC Notícias está paupérrima e passará a aceitar apenas «voluntários» (claro que tiveram o cuidado de não me perguntar se eu queria ser um deles…).  
Terminam assim 17 anos consecutivos de colaboração com órgãos de comunicação social do grupo «Impresa»: oito anos e meio como cronista do EXPRESSO, de que fui removido no auge da invasão do Iraque; outros oito anos e meio como colaborador da SIC Notícias, de que fui removido no auge da «guerra» declarada há poucos dias pelo «megafone» de Vitor Gaspar, Pedro Passos Coelho. Suponho que é uma «guerra» contra a esmagadora maioria dos portugueses, que continuam a empanturrar-se de bifes todos os dias…
Mas é claro que não deixa de ser exaltante imaginar a satisfação que esta notícia irá causar em figuras tão proeminentes como a augusta vice-presidente (da AR) Teresa Caeiro, o austero advogado José Luís Arnaut ou o venerável empresário Ângelo Correia – que se recusavam a enfrentar-me há já alguns meses com o beneplácito dos responsáveis pelo programa.
Não ignoro, todavia, que o gáudio não se confina ao chamado «arco do poder», nos seus três tons habituais: cor de laranja azeda, azul cueca e cor-de-rosa fanada. Também vai entrar de roldão em alguns órgãos de comunicação social do regime, politicamente correctos, onde não faltam opinadores tão chatos ou peneirentos como «intocáveis», e digníssimos «pilares» do statu quo que não apreciam dissidências políticas nem franco-atiradores (a não ser quando haja escândalo que aumente as audiências e/ou os leitores).
A única coisa que se me oferece dizer, sem me rir, neste momento, é a seguinte: quando se perde poder ou a aparência dele, por mais ínfimo que seja; quando não se tem a protecção de um partido, ou de uma «igreja», ou de uma associação «cívica» semi-clandestina, ou de um grupo de pressão, ou de um «sacristão», ou de um «patrão», ou de um «padrinho», etc., etc., etc. – o «lonesome cowboy» escusa de armar ao pingarelho, e não tem outro remédio se não o de meter a viola no saco e ir para a caça aos gambozinos.

Saudações democráticas,
Alfredo Barroso

terça-feira, 20 de novembro de 2012

Corações de pedra


1 - Em períodos de crise tão profunda e tão grave como esta que estamos a viver, não devemos ignorar as lições da História, por mais excessivas que possam parecer as comparações (que vou fazer) entre figuras e factos actuais e pretéritos. Porque a História pode sempre repetir-se, quer como farsa quer como tragédia.  
Por exemplo, ao ouvir a chanceler Angela Merkel reclamar mais cinco anos de austeridade à Europa em crise, insinuou-se no meu espírito a comparação entre o seu fanático ministro das Finanças, Wolfgang Schäuble, e o general fascista Millán Astray, galego, mutilado de guerra e legionário ao serviço de Franco, que proferiu, em 12 de Outubro de 1936, durante a comemoração do Dia da Raça na Universidade de Salamanca, o grito irracional e obsceno: «Muera la inteligência! Viva la muerte!».
A actual política de sujeição dos países da Europa meridional ao diktat financeiro e orçamental alemão também significa desprezo pela inteligência dos súbditos e uma condenação à morte das respectivas economias.
Outro exemplo que me ocorre é o do primeiro-ministro português, Passos Coelho, cujo ridículo patriotismo de lapela não consegue esconder a germanofilia financeira e orçamental que faz dele uma espécie de «Gauleiter», designação alemã para um chefe provincial que desempenha funções equiparáveis às de um Prefeito ou Governador civil. E escusado seria dizer, mas digo, que o ministro das Finanças português, Vítor Gaspar, outro adepto fanático do neoliberalismo – ou do ordoliberalismo, se quisermos acentuar a sua sujeição à doutrina germânica – está para Passos Coelho como Wolfgang Schäuble para Angela Merkel,
Todos eles são políticos e/ou tecnocratas duros e perversos, com corações de pedra e mentes embotadas, indiferentes ao sofrimento de milhões de europeus cada vez mais empobrecidos pela austeridade brutal que tão detestáveis criaturas preconizam e impõem, mas não praticam.

2 – A expressão «corações de pedra», fui buscá-la ao livro de John Maynard Keynes sobre «As consequências económicas da paz», publicado em 1920, e que é uma devastadora crítica da Conferência de Versalhes e do Tratado que ela produziu, impondo à Alemanha derrotada na Grande Guerra «cláusulas de reparação» terrivelmente punitivas e humilhantes, que era manifestamente impossível cumprir.
Keynes participara na conferência como representante do Tesouro (Ministério das Finanças) britânico, apresentando um plano alternativo bem mais inteligente e razoável do que aquele que acabou por vingar. Por isso demitiu-se e denunciou, no seu livro, o misto de ingenuidade política, boas intenções (Woodrow Wilson, EUA) e espírito de vingança (Clemenceau, França) que se sobrepuseram aos reais interesses «da Humanidade e da civilização europeia».
Como Keynes descreveu metaforicamente numa bela prosa: «De todas as formas, o velho mundo era duro na sua perversidade: o seu coração de pedra teria conseguido embotar a espada afiada do mais bravo cavaleiro errante. Mas o cego e surdo Dom Quixote estava a entrar numa caverna onde a sua rápida e brilhante espada já estava nas mãos dos seus adversários».
Como é sabido, o Tratado de Versalhes provocou enorme ressentimento entre os alemães e produziu terríveis consequências: inflação galopante; pobreza e caos social; ascensão de Hitler ao poder, em 1933; participação da aviação nazi, ao lado dos fascistas (o bombardeamento de Guernica é um terrível símbolo), na Guerra Civil de Espanha (1936-1939); e a eclosão da II Guerra Mundial, que iria devastar a Europa e parte da Ásia e da Oceânia, entre 1939 e 1945.
Há alguns meses, o presidente da Confederação Europeia de Sindicatos enviou uma carta à Comissão Europeia, comparando os juros dos empréstimos da troika, mais os brutais planos de austeridade e privatizações, às «cláusulas de reparação do Tratado de Versalhes», reduzindo os países membros da zona euro sob resgate a «um estatuto quase colonial». Ninguém o ouviu: nem Durão Barroso, nem Merkel, nem Schäuble, nem Gaspar, nem Passos Coelho. Preferiram apostar, perfidamente, na sujeição dos países em crise ao dogma ultra-liberal.

3 – Querem impor aos portugueses, tal como aos gregos, espanhóis, irlandeses, cipriotas, e outros mais, um regime político não previsto nas respectivas Constituições. Esse regime tem um nome: neoliberalismo de Estado de fachada democrática. È que, ao invés do que proclama a sua ideologia, o neoliberalismo está muito longe de implicar o desaparecimento do Estado (no sentido anarquista ou libertário).
Bem pelo contrário, para os fanáticos neoliberais que estão no poder, o Estado tem de desempenhar um papel porventura novo, mas não menos fulcral, que consiste em impor um contexto favorável aos negócios – isto é, às grandes empresas e ao sistema financeiro – tanto interna como externamente, inclusive derrubando pela força regimes e estruturas sócio-económicas tradicionais.
O seu ideário está resumido na fórmula «D-L-P», que significa: i) Desregulação (da economia); ii) Liberalização (do comércio e indústria); iii) Privatização (das empresas do Estado). Há quem já não se lembre dos primeiros «laboratórios» do neoliberalismo: o Chile de Pinochet e dos Chicago Boys; o Brasil da ditadura militar e de Delfim Neto; a Argentina da junta militar e de Domingo Caballo. Longe vá o agoiro!
Keynes prognosticou, com enorme lucidez, as desastrosas consequências de uma austeridade cega e brutal, que provoca a pobreza e o caos social e ameaça destruir o que também ele designava por civilização europeia. A política posta em prática por corações de pedra é, acima de tudo, estúpida e criminosa. É preciso travá-la já!
Infelizmente falta-nos, aqui e na Europa, uma figura com a coragem e a estatura moral e intelectual de Miguel de Unamuno – o reitor da Universidade de Salamanca que condenou in loco o «necrófilo e insensato grito» de Millán Astray – para enfrentarmos os fanáticos do neoliberalismo e do «darwinismo» social que teimam em promover a «selva», destruir o Estado social e fazer regredir a Europa quase 70 anos.

«DN» de 19 de Novembro de 2012                       

sábado, 27 de outubro de 2012

É TEMPO DE DIZER ‘BASTA!’

1 - O PAÍS está à beira de um enorme desastre económico, financeiro e social. Mas o Governo – que há mais de um ano põe em prática sucessivas e brutais políticas de austeridade, nem sequer legitimadas pelos que o elegeram – mantém-se em contínuo estado de negação. E insiste, aumentando a brutalidade dessas políticas que estão a conduzir o País para o abismo.
A proposta de Orçamento do Estado para 2013 é, no mínimo, uma proposta alucinante, que aposta na punição fiscal e salarial da esmagadora maioria dos portugueses, na destruição do que ainda resta da classe média, no sacrifício cruel e desumano dos mais desfavorecidos.
Esta proposta de OE não deve ser aprovada - e, se o for, não pode ser aplicada - sob pena de provocar uma gravíssima ruptura social e uma verdadeira catástrofe económica e financeira.
Por causa da subserviência deste Governo de direita, cuja germanofilia financeira e orçamental brada aos céus, passámos a viver num País submetido ao diktat da Alemanha, às imposições que nos faz a chanceler Ângela Merkel, em vez de optarmos por um caminho alternativo para enfrentar a crise e recuperar, se não a soberania plena, pelo menos a dignidade como Povo.
Vivemos sob um assustador regime de neo-liberalismo de Estado, que só difere de certas ditaduras sul-americanas do século passado, «abençoadas» pelos «Chicago boys», porque mantém a fachada democrática.
É tempo de dizer «basta» ao patriotismo de lapela deste Governo de destruição nacional! É tempo de devolver a palavra ao Povo soberano!

2 - A DECLARAÇÃO final aprovada pelo Congresso Democrático das Alternativas no passado dia 5 de Outubro – que merece ser lida com atenção – é muito clara na identificação do estado em que o País se encontra, em consequência da aplicação do «infeliz e humilhante Memorando de Entendimento assinado com a troika», isto é, com a Comissão Europeia (de Durão Barroso), o BCE e o FMI.
As políticas de austeridade deste Governo assentam cada vez mais na punição dos rendimentos do trabalho, no desmantelamento dos serviços públicos, e na redução do investimento e do consumo. São políticas cegas.
As suas consequências estão a ser devastadoras: recessão profunda; falências de pequenas e médias empresas; desemprego em massa; incapacidade de superar o descontrolo das finanças públicas; aumento da precariedade laboral; crescentes desigualdades e injustiças sociais; economia sem procura; desmembramento da sociedade; emigração; falta de confiança no futuro.
Não podemos assistir indiferentes à devastação de recursos, à desqualificação das pessoas e à falta de um compromisso que gere confiança nos portugueses.

3 - A ESTRATÉGIA inscrita no Memorando da troika está errada desde o início e já todos viram que não consegue produzir os resultados desejados. As metas fixadas são inatingíveis. O fisco e o confisco são vergonhosos. A espiral de endividamento e a pressão sobre o défice são alarmantes.
Urge encarar seriamente a necessidade de renegociar e reestruturar a dívida, sob pena de estarmos condenados, mais cedo do que tarde, ao incumprimento. Mas isso só pode ser feito sem este OE e com outro Governo legitimado pela vontade popular expressa em eleições.
É preciso acabar rapidamente com esta obsessão da austeridade e recusar mais ajustamentos recessivos, que provocam um aumento da dívida a um ritmo que a torna insustentável. Como afirmou recentemente José Castro Caldas, «o peso dos juros é de tal ordem que toda a prestação pública de serviços, nomeadamente a nível de reparação de infra-estruturas, começará a entrar em colapso».
A alternativa é clara: ou nos conformamos com o rumo desastroso deste Governo, que aceitou e acordou com a troika o prolongamento de um intolerável «estado de excepção» cujo fim não se vislumbra; ou poderemos ter de recorrer à suspensão do serviço da dívida, para sobrevivermos enquanto sociedade. 
Torna-se imperioso tomar uma decisão, e essa decisão só pode ser tomada pelo povo soberano em eleições legislativas antecipadas.

4 - ESTÁ PROVADO que o sonho de Sá Carneiro – «uma maioria, um governo e um presidente» (de direita) – se tornou num pesadelo para o Povo português.
A repulsa que este Governo provoca é de tal ordem, que agora há outra direita que contesta esta direita que está no poder – e que até já propõe uma «renegociação honrada» com a troika (Miguel Cadilhe), a realização de eleições em Maio de 2013 (Fernando Ulrich) ou, mesmo, a entrada do PS para um governo de «bloco central» alargado (Jardim Gonçalves). Para já nem falar nos apelos à constituição de um governo tecnocrático de iniciativa presidencial, obviamente ilegítimo.
Trata-se de uma direita que se sente traída pelo brutal aumento de impostos (não foi para isso que ajudaram Passos Coelho a chegar ao poder) e que prefere um corte brutal nas despesas do Estado (ou seja, nos salários, pensões e prestações sociais, na Educação, na Saúde e na Segurança Social).
Esta é uma proposta que o Congresso Democrático das Alternativas considera muito perigosa - e repudia na sua Declaração. E contra a qual se dispõe a lutar com firmeza, nomeadamente, apoiando as diferentes manifestações de protesto democrático e popular, já anunciadas, contra as políticas ruinosas deste Governo, contra a alucinante proposta de OE e contra o diktat da senhora Merkel.
A curto prazo, a melhor alternativa é a denúncia do Memorando, a renegociação e reestruturação da dívida – e isso passa, inevitavelmente, pela constituição de um novo governo saído de eleições.                                              
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Lisboa, 22 de Outubro de 2012
Publicado no «Expresso» de 27 Out 12

sexta-feira, 12 de outubro de 2012

«Quod erat demonstrandum» (Euclides dixit) - O Congresso continua


NO PASSADO dia 5 de Outubro, mais de 1 700 pessoas participaram no Congresso Democrático das Alternativas, que teve lugar na Aula Magna da Universidade de Lisboa.
Depois de um dia de debate e partilha de ideias e valores, os participantes aprovaram a Declaração do Congresso Democrático das Alternativas, na qual se encontram expressas as análises, as propostas e as tarefas prioritárias de uma iniciativa que se propõe juntar forças e assumir a responsabilidade de resgatar o País para um futuro decente.
A versão final do documento, incorporando as alterações introduzidas durante o Congresso, encontra-se disponível aqui: http://www.congressoalternativas.org/p/documentacao.html.
Dando seguimento ao estabelecido na Declaração aprovada e procurando estar à altura das expectativas geradas pelo sucesso de 5 de Outubro, a Comissão Organizadora está a preparar a agenda pós-Congresso, tendo em vista as tarefas prioritárias identificadas, a saber:
1) defender um compromisso comum de convergência por parte das forças políticas democráticas que decidam apresentar-se a eleições, com vista a viabilizar uma governação alternativa em torno de princípios abrangentes e claros, como os sugeridos na Declaração do Congresso;

2) organizar e mobilizar em todo o país os apoiantes do Congresso com vista à divulgação e prosseguimento do debate no espaço público das propostas aprovadas, ao seu enriquecimento e desenvolvimento participativo e à promoção da iniciativa cidadã em defesa das causas e dos objetivos aprovados;

3) consolidar e alargar a base plural de apoio ao Congresso;

4) dialogar com forças políticas, instituições e movimentos sociais, nacionais e internacionais, inspirado pelo propósito de estimular dinâmicas de convergência na ação e de construir denominadores comuns para as necessárias alternativas políticas.
Em breve daremos conta dos próximos desenvolvimentos.
Saudações democráticas,
A Comissão Organizadora
--
CONGRESSO DEMOCRÁTICO DAS ALTERNATIVAS
Resgatar Portugal para um Futuro Decente
Sítio na Internet: http://www.congressoalternativas.org/  
Correio eletrónico: congressoalternativas@gmail.com 

quarta-feira, 26 de setembro de 2012

Congresso Democrático das Alternativas

Já abriram as inscrições para o Congresso de 5 de Outubro

Cara/o amiga/o,
Já pode efectuar a sua inscrição para participar no Congresso Democrático das Alternativas, o qual terá lugar no próximo dia 5 de Outubro, na Aula Magna da Universidade de Lisboa (metro: Cidade Universitária).

Por motivos logísticos, a participação no dia 5 de Outubro, com direito de intervenção e de voto, está sujeita a inscrição prévia, a qual pode ser feita através do site do Congresso: http://www.congressoalternativas.org/2012/08/inscricao-no-congresso.html.

Tendo por base os debates preparatórios que tiveram lugar nos últimos dias em vários pontos do país – Viana do Castelo, Braga, Barcelos, Porto, Coimbra, Lisboa, Évora e Faro (estando ainda marcados debates em Viseu e Setúbal) – e as muitas dezenas de contributos escritos enviados para alimentar os debates temáticos (disponíveis aqui: http://www.congressoalternativas.org/p/textos-para-debate.html), a Comissão Organizadora está agora a preparar o projecto de Declaração do Congresso Democrático das Alternativas que será colocado à discussão e votação pelos congressistas no dia 5 de Outubro.

O projecto de Declaração, bem como a proposta de Regulamento do Congresso, serão divulgados a partir do dia 1 de Outubro.

Uma forte presença dos subscritores da Convocatória do Congresso no dia 5 de Outubro é fundamental para o aprofundamento do debate e para afirmação pública desta iniciativa, a qual se propõe contribuir para a construção de alternativas à estratégia de empobrecimento do país inscrita no Memorando de Entendimento e na actual governação.

Contamos com a sua presença!

Pedimos-lhe também a sua colaboração para divulgar a abertura de inscrições para o Congresso, convidando todos aqueles que se possam rever nos propósitos do Congresso a marcar a sua presença no dia 5 de Outubro.

Saudações democráticas,

A Comissão Organizadora

CONGRESSO DEMOCRÁTICO DAS ALTERNATIVAS
Resgatar Portugal para um Futuro Decente
5 de outubro - Aula Magna - Lisboa 

segunda-feira, 17 de setembro de 2012

Um Congresso cada vez mais oportuno e necessário

Caro/a subscritor/a do Congresso Democrático das Alternativas,

Ontem, 15 de Setembro, centenas de milhares de pessoas saíram à rua por todo o país para manifestar a sua indignação com o reforço das medidas de austeridade anunciadas nas últimas semanas. Cada vez mais portugueses e portuguesas concluem que a estratégia inscrita no Memorando de Entendimento, cuja implementação ultrapassou todos os limites do tolerável, é um caminho sem saída.
Manifestar a nossa indignação é uma obrigação democrática. Mas é preciso mais. É preciso ajudar a construir o futuro!
O Congresso Democrático das Alternativas, nos termos do texto que o convoca (que enviamos em anexo), propõe-se mobilizar as energias e identificar os denominadores comuns entre todos os que estão disponíveis para juntar forças e assumir a responsabilidade de resgatar o País.
Contribua para o sucesso do Congresso. Divulgue, colabore, participe (veja como pode fazê-lo no final desta mensagem).

Saudações democráticas,

A Comissão Organizadora


Como pode contribuir para o sucesso do Congresso

1. Envie um email ou contacte pessoalmente aqueles que possam rever-se nos propósitos da iniciativa, convidando-os à subscrição da Convocatória (o que pode ser feito em http://subscrever.congressoalternativas.org) e à participação no processo de construção do Congresso.

2. Divulgue o Congresso, o seu sítio web (http://www.congressoalternativas.org/)  e a página do facebook (http://www.facebook.com/pages/Congresso-Democratico-das-Alternativas/320693794685218) junto dos seus contactos e redes sociais (via email, blogs, Facebook, Twitter, etc.).

3. Imprima cópias da Convocatória (que enviamos em anexo), do cartaz e do folheto do Congresso (disponíveis aqui http://www.congressoalternativas.org/p/materiais.html), colocando-os nos seus locais de trabalho e convívio, e distribuindo-os em todas as situações que lhe pareçam adequadas.

4. Contribua para a elaboração do Projecto de Declaração do Congresso, enviando textos da sua autoria que contribuam para o debate temático nas várias áreas (ver http://www.congressoalternativas.org/p/debates-tematicos.html) ou convidando outros a participarem com as suas ideias e propostas.

5. Contribua, na medida das suas possibilidades, para o suporte financeiro do Congresso, cuja organização depende exclusivamente do trabalho voluntário e do contributo dos seus apoiantes. Os donativos individuais podem ser feitos por transferência para a conta bancária constituída para o efeito com o NIB 0035 0081 00103231 030 49Toda a informação sobre receitas e despesas do Congresso estará disponível do site (em http://www.congressoalternativas.org/p/donativos.html).

6. Marque a sua presença e participe activamente no Congresso no dia 5 de Outubro, que terá lugar durante todo o dia na Aula Magna da Universidade de Lisboa. Por motivos logísticos, a participação no dia 5 de Outubro está sujeita a inscrição prévia através do site do Congresso. O início das inscrições será brevemente anunciado.
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CONGRESSO DEMOCRÁTICO DAS ALTERNATIVAS
Resgatar Portugal para um Futuro Decente
5 de outubro - Aula Magna - Lisboa

quarta-feira, 8 de agosto de 2012

CONTRA UMA EUROPA NEOLIBERAL


1. AS RESPOSTAS às questões de fundo sobre o futuro do euro e da própria União Europeia passam inevitavelmente pela revisão dos tratados em vigor. Não é concebível uma moeda única entre países que estão em constante guerra económica uns contra os outros. Guerra da qual vão saindo vencedores os países mais desenvolvidos, do centro da zona euro (Alemanha, Holanda, Áustria), e vão saindo derrotados os países da periferia, mais vulneráveis e pejorativamente designados PIGS (Portugal, Irlanda, Grécia, Espanha).

A crise do euro resulta, não apenas do colete-de-forças que a moeda única constitui para os Estados membros da zona euro mais dependentes e vulneráveis, mas também da financeirização desenfreada das suas economias, do dumping  fiscal e salarial entre os países membros, da rivalidade constante e desgastante entre esses países para atrair capitais.
Tudo isto se reflecte seriamente no bem-estar das populações, atingidas por cortes brutais na despesa pública (salários, despesas sociais, etc.), por uma flexibilização cada vez maior das leis laborais (com o inevitável aumento do desemprego), por reformas fiscais injustas (que afectam sobretudo os rendimentos do trabalho e favorecem os rendimentos do capital), pelo aumento das taxas de acesso a serviços públicos essenciais (sobretudo da Saúde), pela privatização de empresas públicas estratégicas, e por aí fora.    

2. A UE tem de libertar-se da obsessão neoliberal que consiste em impor aos Estados membros a disciplina dos mercados financeiros, designadamente através das agências de rating  mais poderosas. Não faz qualquer sentido que a indústria financeira desregulada – que provocou a crise e causou os aumentos dramáticos das dívidas e dos défices – seja chamada a financiar os défices que ela própria causou, fazendo exigências insuportáveis e impondo regras draconianas aos países que sofrem as consequências da crise e se encontram em estado de necessidade.
Tanto o Tratado de Maastricht (1992), que instituiu a União Económica e Monetária, como o Tratado de Lisboa (2007), sobre a governação da União Europeia, proíbem que os Estados da zona euro prestem ajuda financeira a um país membro em crise, em virtude de uma cláusula de «não salvamento» («no bail-out») que impede a entreajuda entre países que têm estruturas económicas e sociais e níveis de desenvolvimento muito diferentes.
Por outro lado, os Estados em dificuldades também estão impedidos de recorrer ao Banco Central Europeu (BCE) para financiar os seus défices, o que inevitavelmente os empurra para os braços dos mercados financeiros, que, como disse, os submetem a critérios e exigências demolidores para conceder empréstimos a juros proibitivos. Ora, esta crise veio demonstrar, uma vez mais, que os mercados financeiros (designadamente as agências de rating) não são nem eficientes nem racionais, e é, por isso mesmo, aberrante confiar-lhes a tutela das políticas económicas dos Estados membros.

3. Por tudo isto, é imperioso reclamar a revisão dos tratados em vigor. Para que na zona euro e na UE venham a prevalecer a solidariedade financeira e não a competição desenfreada, a cooperação e a entreajuda e não a guerra económica permanente entre Estados. E também para que o estatuto do Banco Central Europeu seja modificado, responsabilizando-o perante as instâncias democráticas nacionais e europeias, e estatuindo que a missão do BCE e a sua política monetária e de crédito devem dar prioridade à criação de emprego e ao desenvolvimento humano sustentável e duradouro.
Infelizmente, as reformas que têm vindo a ser empreendidas são de mau augúrio: visam perpetuar a tutela dos interesses financeiros sobre as políticas económicas dos Estados membros. O recente Tratado para a Estabilidade, a Coordenação e a Governação institui a famosa «regra de ouro» ou «regra do equilíbrio orçamental», que funciona como um colete-de-forças e coloca os Estados membros sob a tutela da Comissão Europeia e dos juízes do Tribunal de Justiça da UE (em detrimento do Parlamento Europeu). Mais conhecido como Pacto Orçamental, vários economistas já consideram este tratado como um «pacto para a austeridade perpétua», que é imperioso abolir.
           
4. Ora, para combater a sério esta crise tão grave, é mesmo necessário rever os tratados e criar condições que permitam o lançamento de eurobonds, a recapitalização do Banco Europeu de Investimentos, a criação de um fundo de solidariedade para promover o crescimento (como sugeriu Stiglitz em artigo que o «DN» publicou há um mês), além de uma profunda reforma do sistema financeiro e de um controlo eficaz dos movimentos de capitais, sem o que será muito difícil, se não impossível, reduzir as desigualdades sociais.
Trata-se de transformar uma «Europa dos bancos e dos banqueiros, dos empresários e dos patrões» (como dizia Bourdieu) numa Europa dos cidadãos e da soberania popular, que reabilite os valores da democracia e dos direitos humanos, do trabalho e da coesão social, do conhecimento e da cultura. Trata-se de rejeitar o modelo autoritário e tecnocrático que tem vindo a ser imposto pela ortodoxia neoliberal e reabilitar o ideal pluralista e participado da política. Trata-se de provar que há alternativas e que elas fazem todo o sentido.

«DN» de 7 Ago 12

sexta-feira, 20 de julho de 2012

UM «ESQUERDISTA» CHAMADO ÁLVARO

CRITICANDO os presumíveis «esquerdistas» que insistem na necessidade de Portugal renegociar e reestruturar a dívida pública, um famoso sociólogo outrora estalinista e agora ao serviço de um grande merceeiro perguntava, com arrogância e displicência, sentado à mesa quadrada de um debate na televisão: «Renegociar? Mas renegociar o quê?». O sorriso cúmplice dos seus parceiros de mesa confortou o famoso sociólogo na ideia de que tinha acabado de fazer uma pergunta genial e, no mínimo, arrasadora para a canalha esquerdista que por aí prolifera.
E, no entanto, ela move-se – a ideia da necessidade de renegociar a dívida pública. E nem é preciso recorrer a um perigoso esquerdista para a explicar. Basta folhear o capítulo 8 de um «tijolo» de quase seiscentas páginas publicado em Abril de 2011 por Álvaro Santos Pereira, ministro da Economia desde Junho de 2011, intitulado «Portugal na hora da verdade – como vencer a crise nacional».
Para explicar «o caminho tortuoso que temos de percorrer», avisa-nos o famoso autor que, «para que seja sustentável, a dívida pública nacional tem de crescer a um ritmo inferior ao crescimento económico». Ora, «de acordo com os cálculos do FMI, para ser sustentável, a dívida pública nacional exige que as autoridades económicas portuguesas consigam alcançar excedentes orçamentais primários a rondar os 4 % ou 5 % anuais, algo que nunca foi alcançado na era democrática». (Estará o nosso Álvaro a apelar a um novo salazarismo?).
Seja lá como for, explica-nos o consagrado autor que, mesmo recorrendo a «eventuais receitas das privatizações», à «venda de imóveis» do Estado, ou a uma «hipotética venda de parte das reservas de ouro à guarda do Banco de Portugal», «a verdade é que a nossa dívida pública alargada é de tal modo elevada, que é provável que nem assim consigamos pagá-la nas próximas décadas». Ora, «face aos exorbitantes montantes da nossa dívida e ao crescente peso dos juros, é bastante possível que, mais cedo ou mais tarde, um governo português se declare impotente para pagar a totalidade da dívida pública». Ou seja – remata Álvaro – «é muito possível que cheguemos a uma situação em que o Estado português se veja forçado a reestruturar a sua dívida pública junto dos credores internos e externos». Mais: «é igualmente possível, e provavelmente desejável, que essa renegociação seja levada a cabo ao mesmo tempo que uma reestruturação da dívida de outros países europeus». (Leu bem: Álvaro fala claramente em «renegociação»!).
Foi deste modo que um «esquerdista» chamado Álvaro abraçou a famosa tese da «inevitabilidade de uma reestruturação da dívida dos países europeus em dificuldades», defendida por «economistas proeminentes como Kenneth Rogoff, Barry Eichengreen, Nouriel Roubini, entre muitos, muitos outros» - como Álvaro faz questão de sublinhar com veemência. (Os «esquerdistas» são uma praga!).
Como explica o nosso autor: «Esta reestruturação abrangeria não só um reescalonamento da dívida pública nacional (isto é, uma negociação com os nossos credores de maturidades mais longas para as obrigações do Estado), mas também uma diminuição do valor da dívida (os chamados haircuts da dívida). Mais: a fazer-se esta reestruturação da dívida pública nacional, ela devia englobar não só a dívida pública detida pelos estrangeiros, como também a dívida interna, incluindo uma renegociação das próprias parcerias público-privadas (PPP)».
Et voilá! Aqui temos como um «esquerdista» de direita (passe o absurdo) explica o que há para «renegociar» ao famoso sociólogo ex-estalinista da «nova direita» (aselhas, os cristãos-novos da política!). Note-se que o insigne sociólogo é perito em perguntas obscenas e provocatórias, como aquelas que fez, em 10 de Janeiro de 2012, num canal de tv em que se debatia, nada mais nada menos do que, o «racionamento da saúde». Uma: «Intervenções cirúrgicas depois dos 70, dos 80, dos 90… Até onde é que se deve ir?». Outra: «Pagar hemodiálises a pessoas com mais de 70 anos, faz sentido?». Não, não foi Manuela Ferreira Leite quem colocou a questão, foi ele, e ela limitou-se a secundá-lo na crueldade.
Tal como a um cidadão pobre com mais de 70 anos não se deve recusar a hemodiálise, também a um país pobre com mais de 800 anos não se deve recusar uma bóia de salvação quando está a afogar-se. Discute-se se somos miniatura do Titanic ou réplica do Costa Concórdia. Tanto faz, desde que a direita não nos faça adornar e não nos afunde, garantindo salva-vidas apenas aos que tudo têm.

«DN» de 19 Julho 2012  

terça-feira, 5 de junho de 2012

O DIABO ESTÁ NOS DETALHES

UM ANO de governo catastrófico. Política de austeridade a todo o custo lança pelo menos três milhões de portugueses na desgraça: quase metade no desemprego; mais de metade com salários de miséria. Classe média a desmoronar-se cai de bruços nos braços de Dª. Jonet e seu banco alimentar contra a fome. Caridade luta para superar solidariedade e dar cobertura ao desmantelamento do Estado social. Educação, saúde e segurança social seriamente atingidas. Primeira quebra de salários nominais de que há registo em Portugal. Como disse há dias um rotundo deputado do PPD (nem pouco mais ou menos PSD): se excluirmos tudo isto, as políticas do governo têm sido um sucesso estrondoso, como reconhecem Moody’s, troika e quejandos. Economista berlinense admite que fazer cortes em períodos de recessão torna as coisas ainda piores, mas acha que ‘fado’ e ‘melancolia’ fazem dos portugueses povo estóico capaz de recuperar a sua economia. Para ideólogos ultra-liberais da austeridade a todo o custo, sofrimento social dos cidadãos não passa de pormenor. Governo pôs finanças acima de tudo o resto, entregou economia a aprendizes desajeitados e acha que coesão social é detalhe negligenciável. Gaspar, Passos e Relvas são o nosso triângulo das Bermudas e custa-lhes perceber que o diabo está nos detalhes. Diz Clara Ferreira Alves que a Grécia pode vir a ser o Titanic, mas nós seremos o Costa Concórdia (a passar rente à praia para o cozinheiro dizer adeus aos primos). Portugal já começou a adornar, mas nem o comandante Passos nem o ‘chef’ Gaspar deram por isso!

«DN» de 5 Jun 12