POLÍTICOS PARADOXAIS
SERÁ POSSÍVEL UM POLÍTICO APRESENTAR-SE, por um lado, como um homem íntegro, fiel aos ideais e aos amigos, devoto do serviço público, homem de cultura, humanista e amante da justiça, preocupado com a sorte dos mais pobres e desfavorecidos, adepto da ajuda ao Terceiro Mundo, ecologista e defensor do meio-ambiente – e comportar-se, por outro lado, como um chefe de facção astuto e sectário, capaz de desferir golpes baixos e de montar operações clandestinas para tramar adversários ou afastar do caminho rivais do seu próprio bando, usando e abusando dos privilégios e usufruindo de todos os luxos, sem olhar a despesas sumptuárias efectuadas com o dinheiro dos contribuintes?
Se admitirmos que a política não é o terreno privilegiado das virtudes teologais, nem é redutível a uma visão maniqueísta em que só contam o Bem e o Mal, traduzindo-se, pelo contrário, numa actividade bastante complexa, em que nem tudo o que parece é, as aparências iludem e os melhores resultados tantas vezes só se atingem por caminhos tortuosos, métodos pouco ortodoxos e procedimentos inconfessáveis – então, a resposta àquela questão só pode ser afirmativa. Sim, em democracia, os políticos com dimensão e fôlego muito superiores aos de um cidadão comum, não são modelos de virtudes que aspirem à santidade, nem Savonarolas que pregam a moral e acabam numa pira!
A carreira de um político de longo curso – ou de um político fora do comum, se se preferir – está cheia de «belezas ácidas». Esta feliz expressão, usou-a Serge July há quase 20 anos, num brilhante ensaio intitulado Le Salon des Artistes, simultaneamente elogioso e crítico, generoso e cruel, sobre cinco «feras» que, nos anos finais da década de 1980, ainda dominavam a «arena» política em França: François Mitterrand, Jacques Chirac, Giscard d’Estaing, Raymond Barre e Michel Rocard. De entre eles, não hesito em destacar Mitterrand e Chirac como políticos de longo curso e fora do comum.
Em ambos assentam como luvas as palavras de Serge July: «Os grandes artistas da política distinguem-se do magote de ambiciosos pela sua fé nas virtudes curativas da derrota». Embora subestimando, por vezes, os seus adversários, o certo é que Mitterrand e Chirac sofreram e superaram várias derrotas. E, assim como Mitterrand e os seus fiéis foram «beber» no exemplo de De Gaulle para melhor o combater, também Chirac e os seus adeptos se inspiraram no «modelo mitterrandiano» para conquistar o Eliseu.
Como Mitterrand há uma dúzia de anos, é agora Chirac quem suscita livros com balanços da sua longa carreira política de 45 anos. Cito dois. Em L’Inconnu de l’Élysée, Pierre Péan, jornalista de esquerda, enaltece as suas qualidades humanas e políticas. Em Chirac, Mon Ami de Trente Ans, Jean-François Probst, político de direita e colaborador próximo de Chirac, rebaixa-o, apontando-lhe inconfessáveis defeitos e abusos de poder. É assim, contraditório e paradoxal, o retrato fidedigno de alguns políticos maiores.
«DN-6ª» de 16 Mar 07
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