sexta-feira, 3 de setembro de 2010

IRAQUE: MENTIROSOS OU IDIOTAS ÚTEIS

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AO CONTRÁRIO do que hoje afirma Martins da Cruz, então Ministro dos Negócios Estrangeiros do governo de coligação PSD-CDS chefiado por Durão Barroso, não havia, em 2003, «um consenso generalizado sobre a existência de armas de destruição massiva (ADM) no Iraque». Tal consenso restringia-se ao trio dos Açores (Bush, Blair, Aznar), ao seu «mordomo», Durão Barroso, e a outros governantes europeus desejosos de embarcarem no comboio da invasão e ocupação ilegais do Iraque, contra o sentimento expresso pela esmagadora maioria das opiniões públicas europeias.

Por um lado, havia as análises e informações manipuladas pelos serviços secretos norte-americanos e britânicos, a mando de Blair, Bush, Rumsfeld e quejandos. Para estes, as ADM cresciam como cogumelos no Iraque e o exército de Saddam era o quinto mais poderoso do mundo, apesar de 10 anos de embargo e desmantelamento sistemático de ADM.

Por outro lado, havia as análises e informações públicas produzidas por Hans Blix (o diplomata sueco que chefiava a missão de inspectores de armamento da ONU), Mohamed El Baradei (o diplomata egípcio que sucedeu a Hans Blix como director-geral da Agência Internacional de Energia Atómica), antigos inspectores da ONU e vários correspondentes militares e enviados especiais de jornais norte-americanos e europeus. Todos estes afirmavam peremptoriamente que já não existiam ADM no Iraque. E Hans Blix declarou publicamente que ele e os seus inspectores já tinham «efectuado cerca de 700 inspecções e em nenhum caso foram encontradas armas de destruição maciça» em qualquer sítio do Iraque.

Pessoalmente, sempre dei crédito a estas fontes públicas e, por isso mesmo, não hesitei em afirmar no «Expresso», em 18 de Janeiro de 2003 (três meses antes da invasão), que Bush e Blair preferiam invadir o Iraque, e não a Coreia do Norte, porque «no Iraque (…) há ouro negro, o Ladrão de Bagdad (Saddam Hussein) está cada vez mais fraco e já não possui armas de destruição massiva». Como o pior cego é aquele que não quer ver, o trio lusitano constituído por Durão Barroso (PM), Paulo Portas (MD) e Martins da Cruz (MNE) apoiou garbosamente a invasão militar ilegal do Iraque, que teve início no dia 20 de Março de 2003. Com as consequências devastadoras que se conhecem. E só não enviaram tropas porque o então Presidente da Republica, Jorge Sampaio, sensatamente não o permitiu. Mas vingaram-se, enviando uma pequena força da GNR (e um «socialista» que lhes caiu como sopa no mel: o dr. José Lamego, lembram-se?).

Afirmei há dias, na SIC Notícias, que Durão Barroso e Paulo Portas «mentiram deliberadamente aos portugueses» (sobre a existência de ADM e de células da Al Qaeda no Iraque). Devia ter sido mais subtil, dizendo o mesmo por outras palavras: Durão Barroso e Paulo Portas colaboraram activamente e com entusiasmo na mentira que os senhores Blair, Bush e Rumsfeld (o «amigo Donald» de Paulo Portas) pregaram ao mundo, com o apoio ideológico dos neo-conservadores (ex-esquerdistas que se tornaram aprendizes de feiticeiro). Porque, das duas, uma: ou Durão Barroso, Paulo Portas e Martins da Cruz sabiam que era mentira o que Blair, Bush e Rumsfeld lhes impingiram - e portaram-se como mentirosos compulsivos; ou então também foram enganados - e portaram-se como idiotas úteis. Há que reconhecer que a escolha é muito embaraçosa.

O balanço de sete anos de guerra é desastroso, sob todos os pontos de vista. A contabilidade dos mortos é cruel. O registo das perdas americanas é muito preciso: até 24 de Agosto, tinham morrido 4.420 militares e 1.487 funcionários civis, além de 31.897 feridos em combate. Do lado iraquiano, o registo é tão vago quanto assustador: cerca de meio milhão de mortos, embora as diversas estimativas oscilem entre um mínimo de 200.000 e um máximo de 600.00 mortos. Ninguém estabelece a diferença entre aqueles que foram vítimas da estratégia de «choque e pavor» das tropas americanas e britânicas, aqueles que têm sido vítimas da guerra civil entre sunitas e xiitas desencadeada pela invasão, e aqueles que continuam a ser vítimas da estratégia terrorista posta em prática pela Al Qaeda, cujos elementos só lograram infiltrar-se no Iraque a partir da ocupação militar do país.

Entre todos os governantes política e moralmente responsáveis pela invasão e ocupação militar do Iraque, e pelas carnificinas que se seguiram, ainda há alguns que se mantêm activos e cuja indiferença perante a tragédia é total. Entre estes contam-se: o «mordomo das Lajes», Durão Barroso, que foi promovido a presidente da Comissão Europeia (e continua em Bruxelas a presidir ao «desastre europeu»); e o «amigo de Rumsfeld», Paulo Portas, que não despega da liderança do CDS e continua bastante preocupado com a segurança dos portugueses (a dos iraquianos que vá para o diabo!).

Numa altura em que os políticos de direita não poupam nos insultos e passam o tempo a chamar «mentiroso» ao PM, seria útil que os presidentes do PPD/PSD e do CDS/PP se interrogassem sobre o passado recente dos seus partidos e chegassem a uma conclusão: os seus antecessores, em 2003, portaram-se como mentirosos ou como idiotas úteis? Paulo Portas pode ser dispensado de responder, para não decidir como juiz em causa própria.
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Jornal «i» de 1 de Setembro de 2010

1 comentário:

Anónimo disse...

Não era preciso vir aqui para expressar a minha total concordância com este texto. Mas fi-lo porque, sendo leitor atento, interessado e praticamente constante do Autor, seu admirador de há muitos anos, gabando-lhe a coragem e o destemor políticos, e a cástica opinião, sobre este não podia aplaudir em silêncio.

Isto porque escrevi também sobre o assunto em 2003 (e no mesmíssimo sentido deste artigo)e fui acusado de extremista de esquerda, alucinado, alarmista e etc., só faltando os comunista e perigoso subversivo que me foram atribuídos pelos salazarentos pides. E que, tranquilamente, me partiram duas costelas - na António Maria Cardoso, corria o ano de 1961, tinha eu 19 aninhos...