CONTRA O «SANTO DE SERVIÇO»
NA CRÓNICA INTITULADA «O desmancha-prazeres», publicada na VISÃO de 25 de Fevereiro passado, em que comenta a candidatura de Fernando Nobre a Presidente da República, o jornalista Filipe Luís remata o texto afirmando que lhe «causa particular estranheza - e indicia uma certa desorientação - que um homem como Alfredo Barroso, que (…) pertence àquele clã dos republicanos puros, tenha arrasado» a candidatura a Belém daquele facultativo «humanista» e «especialista em grandes urgências» (como o próprio candidato se intitulou em recente entrevista ao EXPRESSO).
Sucede que Filipe Luís, ao redigir a parte final da sua tão interessante crónica, se deve ter esquecido do que escreveu na primeira parte - o que o fez entrar em manifesta contradição consigo próprio, em tão curto espaço e em tão pouco tempo. De facto, os argumentos que tenho invocado publicamente contra esta insólita candidatura a Belém são exactamente aqueles que Filipe Luís enunciou na sua crónica, antes de se esquecer deles e de me pregar o «sermão democrático» que agora está na moda.
É Filipe Luís quem salienta, por exemplo, que «os portugueses têm de Fernando Nobre a ideia de uma espécie de santo de serviço». Eu nem fui tão longe - limitei-me a referir que há quem o considere «uma espécie de missionário». Ora, eu não aprecio, não apoio, nem voto em «missionários» que se desviam da sua missão original e decidem intrometer-se na política com discursos moralistas e propósitos saneadores.
É também Filipe Luís quem salienta, na sua crónica, que o candidato «faz apelo a um certo sentimento antipartidário». Que «o tom do seu discurso de apresentação é vagamente sebastianista» e «está na fronteira do populismo fácil antipolíticos». Que se trata de um personagem «desconcertante» que «já apoiou candidatos do PS, do PSD e do Bloco de Esquerda». Que o nosso humilde facultativo tem de «encontrar um ponto de equilíbrio que o impeça de resvalar para a demagogia antipartidária». E que - «last but not the least» - ele terá de «afastar uma certa imagem de arrivismo».
Filipe Luís não podia ter sido mais certeiro na identificação dos perigos que esta insólita candidatura envolve. Subscrevo tudo o que ele disse, mas reconheço que há uma diferença: é que o articulista da VISÃO é um optimista e crê que todos esses perigos serão afastados pelo candidato; ao passo que eu sou um céptico e estou convencido de que todos esses (e outros) perigos constituem como que uma segunda natureza e estão colados à pele do humilde facultativo que decidiu candidatar-se a Belém.
Só mais um esclarecimento. Não pertenço, nem nunca pertenci, «àquele clã dos republicanos puros», cuja existência ignorava por completo. Aliás, devo dizer que perdi a minha «virgindade» política há meio século. Sou republicano, sem dúvida. Mas sou, sobretudo, adepto da democracia representativa e pluripartidária. Não aprecio a intrusão de moralistas, oportunistas e arrivistas na política. Não voto em «salvadores da pátria» e não quero que um «santo de serviço» seja eleito Presidente da República.
«Visão» de 4 Mar 10
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