domingo, 18 de outubro de 2009

A «exuberância irracional» está de volta

O JORNAL 24 HORAS noticiava dia 17, em primeira página, que três dos magnatas mais ricos de Portugal já recuperaram boa parte das fortunas que terão perdido com o crash mundial provocado pela falência do Lehman Brothers, em Setembro de 2008.

As quantias obscenas que esses multimilionários lusitanos recuperaram, em meia dúzia de meses de subidas consecutivas na bolsa, e sem levantarem os seus riquíssimos rabos das cadeiras do poder económico e financeiro que detêm, reflectem bem o clima de euforia que voltou a instalar-se artificialmente, com o súbito regresso dos mercados financeiros à «exuberância irracional» de que falava Alan Greenspan há poucos anos.

Poucos dias antes, a 14, em Wall Street, já o índice Dow Jones tinha quebrado a «barreira psicológica» dos 10.000 pontos, confirmando que está a afluir, de novo, muito dinheiro às bolsas de todo o mundo. Dinheiro esse que, infelizmente, não significa mais investimento produtivo criador de empregos e gerador de rendimentos. Pelo contrário, é dinheiro que se destina a inflacionar artificiosamente o valor dos activos já existentes e que apenas aumenta a riqueza de quem possui e de quem transacciona esses activos.

A revista Visão também noticiava há poucos dias que, «desde o início de 2009, o principal índice da Bolsa de Lisboa já subiu quase 40 % e, em relação a Março, quando bateu no fundo, os ganhos elevam-se a cerca de 55 por cento». Será que os milionários portugueses que estão a recuperar o que perderam vão investir na criação de empregos? Será que um desses milionários vai readmitir os 193 trabalhadores que já despediu?

O regresso da especulação financeira desenfreada, que esteve na origem da crise brutal que ainda estamos a atravessar em todo o mundo, significa que o «capitalismo de casino» está de volta. E o mais escandaloso é que foram gastos milhares de milhões em dinheiros públicos, não só para voltar a estimular a economia, mas também para evitar a bancarrota de inúmeras instituições financeiras privadas. E aquilo a que estamos agora a assistir é uma vergonha: enquanto as grandes fortunas, produto da especulação bolsista, estão a reconstituir-se rapidamente, o desemprego continua a crescer em todo o lado.

O G-20 aprovou uma óptima agenda reformista, mas a verdade é que tarda em reformar as grandes instituições financeiras internacionais e em impor novas regras que permitam um regulação mais rigorosa e eficaz dos fluxos financeiros a nível mundial. Quando acordar será tarde. A exuberância irracional já tomou conta disto outra vez.

1 comentário:

Miguel Serras Pereira disse...

Meu caro Alfredo, concordo a 100 por cento. Só gostaria que nos desses a conhecer que conclusões políticas gerais tiras da análise. Do meu ponto de vista, a tendência que descreves como economia de casino é profunda, interna à dinâmica do regime económico estabelecido, e não pode ser combatida apenas com medidas pontuais. Combater o monstruoso poder político, ainda que não declarado como tal e por isso ainda mais eficaz, que se exerce a partir do topo da esfera das actividades económicas, exigiria a meu ver uma mobilização democrática dos cidadãos capaz de afirmar, sob formas regulares e organizadas, novas formas de poder político democrático. O simples reforço do papel do Estado na pilotagem da economia parece-me insuficiente. O horizonte e norte a seguir parecem-me dever ser a democratização do poder político explícito e o alargamento do seu exercício num espaço público a renovar. E esta democratização tem como condição, e só pode ter também como efeito, a democratização da actividade económica. De resto, promover desde já aquilo a que chamo a cidadania governante será não só a melhor maneira de combater os arcanos do império da economia, mas também a única garantia sólida de que dispomos para, no caso de novos episódios críticos menos atempadamente travados, podermos evitar que uma maré totalitária - desta ou daquela cor - comece a alastrar nas ruas, encabeçada por estes ou aqueles chefes carismáticos ou grandes condutores. Tenho perfeita consciência do esquematismo e insuficiente explicitação das formulações de que aqui me sirvo. Mas a minha intenção não é mais do que redespertar as questões políticas de fundo que a nossa preocupação e indignação comuns perante a vergonha que denuncias exige que (pro)ponhamos.
Um abraço para ti
miguel serras pereira