quarta-feira, 26 de março de 2008

Pacheco Pereira e a Guerra do Iraque

HÁ MAIS DUAS ‘VÍTIMAS’ da invasão do Iraque que até agora ainda não tinham sido contabilizadas e que só há poucos dias foram reveladas: os publicistas neoconservadores José Pacheco Pereira e José Manuel Fernandes. Felizmente estão vivos, não foram alvo de bombardeamentos americanos nem de atentados da Al-Qaeda, mas é suposto terem sido vítimas dos ataques soezes de ‘uma pequena turba’ (de esquerda, claro!) que os acusa de um grave ‘delito de opinião’: ‘terem estado a favor da invasão do Iraque’.
Quem fez esta ‘revelação’ sensacional, em artigo dada à estampa no ‘Público’ de 22 de Março, foi precisamente uma dessas vítimas, o ilustre publicista José Pacheco Pereira. Sucede que ele continua a dar opiniões em tudo o que é órgão de comunicação social, desmentindo assim, sem se dar conta disso, os seus próprios receios de ‘prisão e banimento’, ‘ostracismo e incapacidade cívica’, ‘punição, censura, opróbrio, confissão pública do crime, rasgar das vestes’ e, até, suplícios num ‘pelourinho’ – para citar o que ele escreveu, porventura sob a influência pascal do ‘Evangelho Segundo S. João’.
Pacheco Pereira diz que foi acusado de cometer ‘delito de opinião’, mas não diz concretamente quem o acusou, como e quando. É claro que está a mentir, e não apenas a exagerar recorrendo a uma figura de retórica. O que ele pretende é apresentar-se como vítima e dar largas ao seu complexo de perseguição. Mas este é um problema recorrente de quem já foi da extrema-esquerda, decidiu passar-se para a direita e nunca mais pára, ao longo da vida, de exorcizar em público os fantasmas ideológicos do seu passado.
Pacheco Pereira quer apontar os ‘erros clamorosos da Administração Bush’, o ‘modo ingénuo, ignorante e incompetente como foi previsto o período de ocupação’ do Iraque, ‘a imprudência e a impreparação americanas’. Mas não admite que o confundam com a maioria, pouco ‘séria’, daqueles que sempre se manifestaram contra a invasão e a ocupação. Porque, escreve ele, ‘uma coisa é criticar os americanos pela sua ocupação do Iraque e outra é contestar a decisão de invadir’. Uma subtileza que escapou à ‘turba’.
O artigo em causa (que promete continuação) é um modelo de hipocrisia política e de desonestidade intelectual. É um atentado contra a inteligência do próprio autor, que dá provas de um anti-esquerdismo bem mais ‘primário’ do que o anti-americanismo de que tanto se queixa. A técnica adoptada por Pacheco Pereira é a da desqualificação dos adversários da invasão e da ocupação do Iraque, tratados como ‘uma pequena turba’ de débeis mentais cheios de ‘slogans’ tribunícios e ‘tiques’ ideológicos. A inexistência de armas de destruição maciça, tal como a inexistência de apoios de Saddam Hussein à Al-Qaeda, também são consideradas irrelevantes, com o claro propósito de desqualificar os protestos contra as mentiras de Bush, Blair, Aznar e Durão Barroso. Uma vergonha!
A tentativa de desqualificação dos que sempre foram contra a guerra, a peregrina tese do ‘irritante geral’ que era urgente erradicar, a incoerência dos argumentos a favor da invasão, os insultos à tão odiada esquerda e o ridículo papel de vítima que Pacheco Pereira assume, para não dar o braço a torcer, são simplesmente lamentáveis e chegam a ser patéticos. Convém que se diga que ele não é uma vaca sagrada, nem paira acima das ideologias, como quer fazer crer. Também ele tem uma tese e, aconteça o que acontecer, o que vale é a tese dele. Essa tese é uma visão do mundo assente numa única obsessão: um anti-esquerdismo militante por razões ideológicas, agravadas por um rancor pessoal. Formalmente, a tese de José Pacheco Pereira continua a ser omnisciente, intolerante e dogmática. Só o conteúdo é que mudou: dantes era de esquerda, agora é de direita.
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Crónica escrita para o blogue Sorumbático, onde foi afixada em 26 Mar 08

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