OS POBRES QUE PAGUEM A CRISE!
O ESTADO de completa devastação ideológica em que se encontra o PS pode ser avaliado pelos resultados obtidos ao cabo de dois anos de governação. Empenhado em meter o país nos eixos, o Executivo chefiado pelo sempre severo e temível engenheiro Sócrates cometeu uma proeza (in)digna de qualquer partido socialista que se preze: uma redução rápida e brutal do défice do orçamento do Estado e uma subida vertiginosa das desigualdades sociais; um aumento algo pindérico da taxa de crescimento do PIB e uma diminuição bastante significativa do poder de compra dos trabalhadores. Mais: enquanto o desemprego se situa a um nível muito alto e a precariedade se generaliza, as grandes fortunas prosperam, tendo crescido 35,8 por cento em relação a 2006. Um escândalo. Se estes são resultados dignos de um governo socialista, vou ali e já venho.
BEM PODEM tentar desqualificar-me, chamando-me «esquerdista», «demagogo» e «populista». Os números são bastante claros, não fui eu que os inventei. «Esquerdista» é o Instituto Nacional de Estatística, «demagogo» é o Instituto do Emprego e Formação Profissional, «populista» é o Eurostat. O certo é que as diferenças de rendimentos entre ricos e pobres, em Portugal, atingiram uma dimensão inédita, batendo um novo record: ao contrário da tendência que se regista na União Europeia, o fosso salarial entre ricos e pobres alarga-se e situa-se, agora, duas vezes e meia acima da média comunitária. Além disso, Portugal é o país europeu que menos investe em segurança social. O desemprego de longa e muito longa duração cresceu assustadoramente e já representa quase metade do total de 470 mil desempregados. Há 250 mil desempregados com menos de 35 anos e 124 mil com mais de 44 anos. O PS bem pode limpar as mãos à parede.
PARECE ABSURDO que o combate à crise económica e financeira, levado a cabo por um governo pretensamente socialista, em nome dos superiores interesses do país, resulte em maiores desigualdades sociais, mais precariedade, mais desemprego e mais pobreza, ao mesmo tempo que as grandes fortunas aumentam vertiginosamente. Mas, como dizia Napoleão, «em política, o absurdo não é um obstáculo». Não se contesta o papel crucial da propriedade privada e do capital no desenvolvimento de uma sociedade aberta, livre e democrática. Mas é legítimo perguntar que contribuição têm dado os mais ricos para combater esta crise tão grave. Queixam-se de que o Estado os estrangula, mas a verdade é que as suas fortunas crescem a olhos vistos, ao mesmo tempo que as classes médias empobrecem e os trabalhadores sofrem os efeitos da técnica da banda gástrica que este Governo decidiu aplicar-lhes para lhes reduzir o apetite. O que é indecente.
É VERDADE que a devastação ideológica que se verifica no PS remonta ao tempo do inefável engenheiro Guterres. Mas o «pico do incêndio» só foi atingido agora, sob a égide do intratável engenheiro Sócrates. A perda de quaisquer estímulos ideológicos na luta política gerou um vazio ao nível das ideias, das convicções e dos princípios, dando lugar a uma nova classe de políticos mais sensíveis a motivações materiais, a interesses pessoais e de poder. Foi a vitória do sentido de oportunidade (para não lhe chamar outra coisa mais feia) e do pragmatismo sem princípios.
AS CHAMADAS «práticas clientelares» (mais evidentes ao nível autárquico) e de «governo paralelo» (das grandes empresas e interesses financeiros) impõem-se, hoje, aos partidos do «bloco central». Por isso, não espanta que a passagem do poder do PSD para o PS (e vice-versa) não seja mais do que «saltar do lume para a frigideira». Dizem as boas línguas que o Governo do engenheiro Sócrates tem feito «reformas muito corajosas». Eu, que sempre fui má-língua, limito-me a perguntar: é preciso coragem para exigir aos pobres que paguem a crise?!
«Sol», 1 de Setembro de 2007
3 comentários:
Assino sem hesitar.
É necessário não calar na denúncia desta corja desavergonhada e despudorada que exerce o poder ao arrepio do esperável do PS.
Morais Silva
Concordo em absoluto...
Este Setembro quente, agridoce
trouxe ideias, ilusões, venturas
tecendo do nada, algodão doce
novos futuros, voos nas alturas
Mas este corpo velho ou carcaça
Já viu outros voos, outras folias
E pesado, agarrado à praça
Segura o espirito, voo de delícias
Sonho ao chão pregado, inércia
entorpecendo a natural inclinação
E submetido à hercúlea tradição
Desejo e ânsia de liberdade
Sufocados na estatal obstrução
Anseio por nova cantiga, claridade
Novo hino a Grândola, minha cidade
tecendo teias de fecunda ilusão
Em mundo avaro, de tanta usurpação
ou punição, avesso à fraternidade
Submerso nas águas da maldade
concordo plenamente, excepto no ponto em que fala no papel crucial da propriedade privada. eu penso que esta "mania" do ser humano de considerar propriedade privada algo que não lhe pertence, nem nunca pertenceu. a unica propriedade privada que qualquer um de nós deveria ter é o corpo fisico com que nascemos. e enquanto a humanidade não se livrar deste conceito de propriedade privada não evoluímos, ou não o fazemos como deviamos. já basta o simples facto de vivermos num mundo onde todos os seres vivos necessitam de matar outros seres vivos para sobreviverem.
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